A história do Barba Azul foi contada por Charles Perrault em 1695. Dizem que o personagem foi inspirado num assassino em série, famoso na França renascentista: Gilles de Rais.
Se você não conhece ou já esqueceu da história, navegue um pouco pela internet. Facilmente, reaparecerão a doce Judite, as suas irmãs, o convite do Barba Azul para alguns dias de diversão e o mistério que pairava sobre a cabeça desse homem feio.
Como desapareceram as suas ex-esposas?
Leonora não conseguia entender e, fascinada por aquele homem tão poderoso, resolveu casar com ele. Depois disso, vem o episódio da proibição feita pelo marido antes de viajar. Tudo era permitido e muito havia para usufruir, só um quarto lhe era interdito. Mas o homem entregou todas as chaves para a moça, inclusive a do quarto fatídico. Claro que ela foi lá conferir.
A descrição do cenário de horror que encontrou perturba o sono de qualquer leitor. Cadáveres de mulheres pendiam das vigas. O chão tinha tanto sangue que a chave caiu e ficou manchada. A mulher ainda tentou limpa-la mas a danada da chave era encantada e o sangue não saía de jeito nenhum.
A cena final dá medo. O marido chega e descobre tudo. Ameaça mata-la.
A moça pede um tempo para rezar...
– Dou-lhe meio quarto de hora – replicou Barba-Azul – e nem um momento a mais.
Quando ela se viu sozinha, chamou a irmã e disse-lhe:
– Minha irmã, sobe ao alto da torre, eu te suplico, para ver se meus irmãos não vêm; eles me prometeram que me viriam ver hoje, e, se os vires, faze-lhes sinal para que se apressem.
A irmã subiu ao alto da torre, e a pobre aflita gritava-lhe de vez em quando:
– Ana, minha irmã, não vês ninguém?
E a irmã respondia:
– Não vejo nada a não ser o Sol que brilha e a erva que verdeja.
Entrementes, Barba-Azul, com um grande cutelo na mão, gritava para a esposa com toda a força:
– Desce depressa, ou eu subirei aí.
– Mais um momento, por favor –, respondia-lhe a mulher. E logo, baixinho:
- Ana, minha irmã, não vês ninguém?
E a irmã Ana respondia:
– Não vejo nada a não ser o Sol que brilha e a erva que verdeja.
– Desce depressa – bradava Barba-Azul –, ou eu subirei aí.
– Já vou – respondeu a mulher. E depois:
– Ana, minha irmã, não vês ninguém?
– Só vejo – respondeu a irmã Ana – uma grossa poeira que vem desta banda.
– São meus irmãos?
– Infelizmente não, minha irmã; é um rebanho de carneiros.
– Não queres descer? – bradava Barba Azul.
– Mais um momento – respondia a mulher.
E depois:
– Ana, minha irmã, não vês ninguém?
– Vejo – respondeu ela – dois cavaleiros que vêm deste lado, mas ainda estão muito longe… Louvado seja Deus! – exclamou um instante depois. –- São meus irmãos; estou lhes fazendo sinal, tanto quanto me é possível, para que se apressem.
Barba Azul pôs-se a gritar tão alto que a casa estremeceu. A pobre mulher desceu e atirou-se-lhe aos pés, desgrenhada e em prantos.
- Isto não adianta nada – disse Barba Azul. – Tens de morrer.
Em seguida, segurando-a com uma das mãos pelos cabelos e erguendo-a com a outra o cutelo no ar, ia cortar-lhe a cabeça. A pobre mulher, voltando-se para ele, rogou-lhe que lhe concedesse um breve momento para se recolher.
- Não, não – disse ele –, e encomenda bem tua alma a Deus.
E ergueu o braço… Neste momento bateram à porta com tanta força que Barba Azul se deteve instantaneamente. Abriram e logo se viu entrar dois cavaleiros que, sacando da espada, correram direto a Barba Azul.
Ele reconheceu que eram os irmãos da esposa, um deles dragão e o outro mosqueteiro, e fugiu sem demora para salvar-se; mas os dois irmãos o perseguiram tão de perto que o alcançaram antes que ele pudesse atingir a escada externa. Atravessaram-no a fio de espada, e o deixaram morto. A pobre dama estava quase tão morta quanto o marido, nem lhe restavam forças para beijar os irmãos.
Verificou-se que Barba-Azul não tinha herdeiros, razão por que sua mulher se tornou dona de todos os seus bens. Empregou parte deles no casamento de sua irmã Ana com um jovem fidalgo, que a amava desde muito tempo; outra parte na compra do posto de capitão para seus dois irmãos, e o resto no casamento dela própria com um homem muito distinto, que lhe fez esquecer o mau tempo que ela passara com Barba Azul.
Quando ela se viu sozinha, chamou a irmã e disse-lhe:
– Minha irmã, sobe ao alto da torre, eu te suplico, para ver se meus irmãos não vêm; eles me prometeram que me viriam ver hoje, e, se os vires, faze-lhes sinal para que se apressem.
A irmã subiu ao alto da torre, e a pobre aflita gritava-lhe de vez em quando:
– Ana, minha irmã, não vês ninguém?
E a irmã respondia:
– Não vejo nada a não ser o Sol que brilha e a erva que verdeja.
Entrementes, Barba-Azul, com um grande cutelo na mão, gritava para a esposa com toda a força:
– Desce depressa, ou eu subirei aí.
– Mais um momento, por favor –, respondia-lhe a mulher. E logo, baixinho:
- Ana, minha irmã, não vês ninguém?
E a irmã Ana respondia:
– Não vejo nada a não ser o Sol que brilha e a erva que verdeja.
– Desce depressa – bradava Barba-Azul –, ou eu subirei aí.
– Já vou – respondeu a mulher. E depois:
– Ana, minha irmã, não vês ninguém?
– Só vejo – respondeu a irmã Ana – uma grossa poeira que vem desta banda.
– São meus irmãos?
– Infelizmente não, minha irmã; é um rebanho de carneiros.
– Não queres descer? – bradava Barba Azul.
– Mais um momento – respondia a mulher.
E depois:
– Ana, minha irmã, não vês ninguém?
– Vejo – respondeu ela – dois cavaleiros que vêm deste lado, mas ainda estão muito longe… Louvado seja Deus! – exclamou um instante depois. –- São meus irmãos; estou lhes fazendo sinal, tanto quanto me é possível, para que se apressem.
Barba Azul pôs-se a gritar tão alto que a casa estremeceu. A pobre mulher desceu e atirou-se-lhe aos pés, desgrenhada e em prantos.
- Isto não adianta nada – disse Barba Azul. – Tens de morrer.
Em seguida, segurando-a com uma das mãos pelos cabelos e erguendo-a com a outra o cutelo no ar, ia cortar-lhe a cabeça. A pobre mulher, voltando-se para ele, rogou-lhe que lhe concedesse um breve momento para se recolher.
- Não, não – disse ele –, e encomenda bem tua alma a Deus.
E ergueu o braço… Neste momento bateram à porta com tanta força que Barba Azul se deteve instantaneamente. Abriram e logo se viu entrar dois cavaleiros que, sacando da espada, correram direto a Barba Azul.
Ele reconheceu que eram os irmãos da esposa, um deles dragão e o outro mosqueteiro, e fugiu sem demora para salvar-se; mas os dois irmãos o perseguiram tão de perto que o alcançaram antes que ele pudesse atingir a escada externa. Atravessaram-no a fio de espada, e o deixaram morto. A pobre dama estava quase tão morta quanto o marido, nem lhe restavam forças para beijar os irmãos.
Verificou-se que Barba-Azul não tinha herdeiros, razão por que sua mulher se tornou dona de todos os seus bens. Empregou parte deles no casamento de sua irmã Ana com um jovem fidalgo, que a amava desde muito tempo; outra parte na compra do posto de capitão para seus dois irmãos, e o resto no casamento dela própria com um homem muito distinto, que lhe fez esquecer o mau tempo que ela passara com Barba Azul.
Marion Cito e Jan Minarik in Bluebeard, Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, 1984. Foto: Ulli Weiss |
***
Posfácio 1
Renata Figueiredo
A
viúva do Barba Azul passeava feliz e encantada com seu novo amor pelo
jardim do castelo. Seu novo marido era carinhoso, amoroso,
tão belo física quanto interiormente. Cabelo castanho claro, olhos azuis
esverdeados e pele rosada, um verdadeiro galã. Calmamente, de mãos dadas, sem destino,
eles contemplavam o momento com sorrisos, abraços, beijos e muito carinho.Com seus cabelos soltos e compridos, ao vento, vestido longo e de pés no chão, de vez em quando a viúva dava umas corridas pela grama macia. Chegava na beira do lago, molhava os pés e via seu reflexo no espelho d’água. Sorriso frouxo e gargalhadas altas e descompromissadas, como de uma criança, deixava sair toda a sua felicidade do momento.
Ele a observava meio abobalhado com tanta beleza e pureza. E sonhava infinitamente com tantas coisas que estariam por vir. Mal conseguia se conter, ao ponto de fortuitamente deixar lágrimas escorrerem pelo seu rosto. Ela, delicadamente as enxugava e lhe beijava as faces com os lábios molhados de amor.
Nas margens do lago, deitados, ficaram um sem tempo observando o azul do céu e o movimento das nuvens. Brincavam de descobrir figuras nos formatos das nuvens no céu.
Cansados já com tantos sonhos, abraçaram-se e acabaram adormecendo. O céu começou a mudar de cor com o entardecer, ficando vermelho cor de fogo. De longe, uma cena de cinema: o casal com todo aquele cenário ao seu redor. Uma foto merecia ser tirada para registro do flash de vida.
As crianças em casa já se preocupavam e estavam irrequietos com a demora do passeio dos pais. Eram quase seis horas e a hora do jantar se aproximava. Os empregados resolveram então, sair a procura dos dois, deixando que as crianças continuassem a brincar de espada em seu lugar predileto, a torre mais alta da casa. Ao abrirem a porta do castelo viram que ameaçava chover, o tempo tinha fechado, e voltaram para pegar as sombrinhas. Sofie, a governanta mais antiga da casa foi a procura do molho de chaves para pegar a chave da chapeleira, quando se deparou com a chave ensanguentada do quarto proibido que a patroa lhe havia proibido de usar. Ficou uns segundos com ela na mão observando-a e acabou por guardá-la novamente. Pegou a chave do armário e assim que o abriu se surpreendeu com a arrumação dos chapéus pendurados na parede. Todos lindos, um para cada morador do castelo. Pegou os que achou mais bonitos, o florido para a dama, e o xadrez para o cavalheiro. Saíram a procura do casal.
Depois de uma longa caminhada, avistaram os apaixonados dormindo no gramado. Ficaram com pena de acorda-los, e ficaram ali parados. Sentaram um pouco distantes, sem saber o que fazer. E o tempo foi passando...
Foi quando começou uma tempestade. O susto foi grande com o barulho dos trovões e tal foi a quantidade de água que, rapidamente, os dois acordaram e se levantaram correndo em direção ao castelo.
Os empregados foram ao seu encontro para oferecerem os guarda-chuvas. Mas, o casal se entreolhou e com cúmplices olhares dispensou as umbrelas, pondo-se a correr e a cantar I’m singing in the rain. E assim, continuaram felizes para sempre com seus cinco filhos! A família tão planejada.
***
Posfácio 2
Maria Tereza Albernaz
Já estou casada de novo há dois anos e ainda sinto calafrios quando penso no que poderia ter acontecido comigo. Traí a confiança de Barba Azul e a punição seria cruel caso meus irmãos não tivessem chegado a tempo para interromper a fúria de meu marido.
Hoje o homem com quem vivo me cerca de carinho e atenção. Não faltam luxo e riqueza ao meu redor.
Confesso que a morte de Barba Azul ainda me pesa um pouco e não posso afirmar que sinto alívio por não ter sido eu a condenada. Procuro as razões para as atitudes violentas que provocaram a barbárie no castelo e não encontro. O que pode ter levado uma pessoa tão sensível a se transformar em um monstro sanguinário? O que terá acontecido no seu passado? Macabro mistério!
Entrei no único quarto proibido entre tantos outros cômodos abertos. Não tolero ordem sem explicação. Poderia ter discutido com Barba Azul. Este foi meu erro. Agi escondido.
Enfim... esta história contrariou dois ditos populares: curiosidade, afinal, não mata. E, saber não é poder. Mesmo conhecendo os segredos do castelo, nada foi suficiente para salvar Barba Azul.
Charles Ludlam e Lohr Wilson em Bluebeard. Foto: Leandro Katz. |
***
Posfácio 3
Ruth Lifschits
Leonora se salvou mas seu “e viveu feliz para sempre” custou um pouco a acontecer.
É certo que seu marido mau tinha sido eliminado e ela estava rica. Herdara a fortuna do Barba Azul: o magnífico castelo e seus tesouros e riquezas. Vivia cercada de esplendorosos jardins, bosques a perder de vista e o canto dos mais belos pássaros. E um novo marido tão pacífico, calmo e previsível quanto o cenário que a rodeava.
Sua vida entrara em solene monotonia. Leonora sentia-se morrer dia após dia.
- Não posso continuar assim.
Inquieta, resolveu caminhar um pouco, para mover sua energia. Perambulou pelo castelo, entrando e saindo dos cômodos sem se fixar em nada, passando os olhos por tudo: teto, chão, paredes. Ambientes perfeitamente limpos e decorados. Foi quando, em uma saleta menor, algo brilhou e prendeu seu olhar. Aproximou-se de uma bela escrivaninha de pau marfim com lindos entalhes em castanheira, negros e acetinados, e viu a chave daquele quartinho proibido, aquela que quase a levara à morte.
A peça dourada brilhava iluminada por um raio de luz que incidia unicamente sobre ela. Leonora olhou ao redor, viu que as cortinas estavam cerradas. Não havia como a luz natural entrar dentro do cômodo e muito menos chegar até aquele cantinho retirado. Lá fora caía uma chuvinha fina, típica das manhãs nubladas da primavera.
Ela não acreditava no que via e não conseguia tirar os olhos do objeto luminoso. De repente foi tomada pelas imagens que vira no dia em que entrara no quarto proibido - as poças de sangue, os corpos das mulheres degoladas e penduradas nas vigas do teto. Tremeu dos pés à cabeça, a cena era demasiadamente forte.
Mas, algo de bom surgiu das sensações sentidas. Uma forte vibração percorreu todo o seu corpo enchendo-a de uma nova energia. Pegou a chave e viu que já não havia mais nenhuma mancha de sangue nela, “alguém a limpou?! Eu não consegui!”.
Leonora correu para as escadas do final do corredor, descendo-as de dois em dois degraus, em grande pressa, até chegar ao pequeno quarto que permanecia trancado. Sem fôlego, mas com mão firme, abriu a porta e se deparou com um espaço arrumado, impecável. Não havia um pingo de sangue à vista e nenhum corpo degolado em qualquer viga do quartinho. Ficou ainda mais intrigada.
O resto do seu dia foi difícil, não conseguia se concentrar em nada. Resolveu se retirar bem mais cedo do que costumava.
E teve uma noite de sonhos, nos quais a chave a levava aos lugares mais incríveis que se possa imaginar. Foi tomada por prazeres jamais sentidos, provou o proibido do proibido. Acordou muito bem disposta, de faces rosadas e olhos brilhantes.
- Amado esposo, convido-o a tomar o café da manhã comigo na ante-sala dos meus aposentos, foi logo dizendo assim que deu de cara com o senhor seu marido.
Ordenou à criada que os servisse lá. Conversaram longamente – ela muito falante, ele sempre com pouco a dizer, limitando-se a balançar a cabeça afirmativamente de tempos em tempos. Em determinado momento, Leonora se levantou, sussurrou algo em seus ouvidos e os dois saíram juntos para os fundos da casa.
Foi a última vez em que foram vistos juntos.
No dia seguinte, Leonora conseguiu algumas lágrimas nos olhos ao revelar uma carta despedida, na qual o marido explicava suas razões para abandoná-la e lhe pedia perdão.
O incidente rapidamente virou esquecimento. Sem espantos e sem espantados, a vida no castelo voltou à rotina.
Mas Leonora rejuvenesceu. Passou a dar festas com frequência. Dançava, ria e flertava abertamente com seus admiradores, sem se comprometer com nenhum deles. Foram tempos alegres e felizes, regados a bons vinhos, mesas fartas e muita diversão.
E assim o tempo passou. Leonora viveu uma longa vida de estimulantes sonhos, sempre bonita e radiante, com a chave do pequeno quarto pendurada ao pescoço e um eterno sorriso misterioso nos lábios.
***
Mil e um Barbas Azuis
A autora parte da história do Barba Azul para escrever os contos neste livro. São memórias de infância, o envelhecimento dos pais, e as crueldades entre homens e mulheres. |
Barbe-bleue (1866) é também uma ópera bufa de Jacques Offenbach, com livreto de Henri Meilhac e Ludovic Halévy |
A música saiu em single em 1994. Alguns versos dizem:
Você é o homem certo para mim? / Você está seguro? / Você é meu amigo? / Ou você é tóxico para mim? / Você trairá minha confiança?
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No filme de Claude Chabrol, Landru, o pai de quatro crianças, procura mulheres nos jornais de Paris, para seduzi-las e mata-las, de modo a alimentar sua família. |
Neste filme de 1947, pela primeira vez, Charlie Chaplin não faz o vagabundo. Depois da Segunda Guerra, ele volta como um serial killer. A inocência mostra o quão monstruosa pode ser. |
Neste livro de 1979, a autora retrata a questão do feminino e da transgressão, com foco na sexualidade sado-masoquista. |
Comédia de 1938, baseada numa peça francesa de Alfred Savoir. O roteiro foi escrito por Billy Wilder e Charles Brackett. |