6 de janeiro de 2012

Autores e títulos de 2011 / eventos de 2012

Prêmio Machado de Assis (2011) da Fundação Biblioteca Nacional
Alberto Mussa - O senhor do lado esquerdo (romance)
Sérgio Sant’Anna, também premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) - O livro de Praga (conto)
Daniel Lima, teólogo e professor de 95 anos, em sua obra de estréia, publicada pela Companhia Editora de Pernambuco - Poemas

Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA)
Rubens Figueiredo - tradução de Guerra e paz, de Tolstói
Francisco Alvim  - O metro nenhum (poesia)
Wilson Bueno - Mano, a noite está velha (romance)

Prêmio Portugal Telecom
Rubem Figueiredo - Passageiro do fim do dia (romance)

2012
Temporada de inéditos na editora Grua
Tailor Diniz (RS)
Tércia Montenegro (CE)
Luiz Andrioli (PR)
Luís Roberto Amabile (SP)

Dez anos de Flip
 (4 a 8 de julho)
O britânico Ian McEwan, que esteve na Festa Literária de Paraty em 2004, participa novamente do evento neste ano. Ainda em comemoração a seu aniversário, a organização prepara um livro e uma caixa de DVDs reunindo os principais destaques de seus dez anos.
Informações obtidas no Jornal Rascunho
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Trechos de entrevistas do Jornal Rascunho
Adriana Lunardi
Tendo a achar que o leitor aprecia a confusão entre o ficcional e o biográfico; se sente mais participativo ao ter margem de suspeição de que a história que está lendo foi vivida pelo autor. Parte disso vem de nossa relação problemática com a verdade, especialmente em nossa cultura ibérica, católica, onde simular é pecado. É como se o autobiográfico acrescentasse uma função exemplar à literatura, por isso o apreço maior pela coisa vivida do que à coisa simplesmente imaginada. Nesse caso, temos que usar o disfarce, o drible, o despiste para parecer que é verdade o que estamos escrevendo. Mesmo quando se afirma tratar-se de um texto de ficção, o leitor procura fantasmas nas entrelinhas, lê entrevistas do autor e toma emprestado delas as razões e motivos de ele escrever o que escreve. De minha parte, eu jogo o jogo. O importante é conseguir o efeito de verdade que o texto produz. Assim, ao ter certas garantias “documentais”, o leitor relaxa, deixa-se levar por aquilo que ele atribui como sendo a parte ficcionalizada da escrita. No que, claro, pode estar bem enganado. Em Vésperas, lidei diretamente com essas falsas garantias: em geral, o que se lê como ficção é pura biografia, e vice-versa.
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Ana Paula Maia
Comecei a ler livros sobre filosofia, filosofia oriental. Peguei esse caminho. Acho que foi porque era o que tinha lá em casa. Platão foi um autor que me tocou profundamente nesse início de leitura. Primeiro, li a biografia dele. Passado um tempo, consegui comprar as obras, livros, edição de bolso, os Diálogos. Diálogo é uma coisa de que gosto muito. Foi fundamental ler esses diálogos de Platão. Gosto muito do diálogo na literatura. Acho que há uma dificuldade em se criar diálogos na literatura. Tem autores que acham que o diálogo não é um bom sinal. Eu gosto muito, justamente porque ele traz à tona coisas do personagem que o autor não conhece. É naquele diálogo que brotam muitas vozes, muitas coisas novas. Coisas até para o rumo da história. Um diálogo, uma reação de um personagem, leva a história para um lugar que, às vezes, você não tinha pensado. Para mim, o diálogo tem esse poder — não só de me permitir conhecer mais do personagem, mas de ter novos rumos possíveis para a sua história. O apanhador no campo de centeio foi um dos livros mais importantes na minha vida. O Salinger foi um revolucionário para mim, foi fundamental. O habitante das falhas subterrâneas (2003) faz um paralelo direto com O apanhador. Foi a maneira como comecei a escrever. Comecei a escrever muito inspirada e fazendo um paralelo na obra de alguém. Da minha forma, com as minhas experiências, algumas lembranças, fui construindo o livro. Mas foi o que saiu primeiro. O primeiro jorro, você não sabe se será bom ou ruim, não sabe o que está fazendo.
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Rubem Figueiredo
Pensei que seria possível questionar, investigar e conhecer aspectos importantes do quadro histórico atual por meio dos recursos oferecidos por um romance. Tomei o cuidado de não mencionar datas nem nomes de lugares reais. Não porque eu pretendesse conferir um cunho universal ao livro. Ao contrário: eu queria que os aspectos concretos e particulares pudessem ser percebidos como partes de uma experiência familiar, vivida e bastante generalizada (mas não universal, nem fora de um tempo). A saber: a experiência de estarmos submetidos a um processo social que precisa a todo custo manter-se oculto. Um processo que reforça cotidianamente a idéia de que os diversos aspectos da vida mais corriqueira são fatos avulsos e descoordenados, vazios de qualquer sentido que não seu fim mais imediato. Também por isso me veio em algum momento a idéia de incluir o Darwin no romance. Eu procurava um meio de o livro incorporar uma dimensão histórica com um alcance mais remoto, mais abrangente. O livro velho e meio vagabundo sobre o Darwin que o protagonista lê no ônibus podia permitir que eu evocasse o colonialismo, a escravidão — pois o Darwin fez relatos sobre isso quando contou sua visita ao Brasil. É bem verdade que ele foi muito, muito menos severo quando se tratava de injustiças flagrantes que presenciou em colônias britânicas. De todo modo, a própria teoria de Darwin foi bastante oportuna para o colonialismo inglês: a longo prazo, um substituto da religião para legitimar a desigualdade social. Com isso meu romance poderia também, em alguma medida, discutir o papel da ciência num contexto de relações desiguais de poder. Por esse caminho, a ciência vinha se unir à justiça, à medicina, à educação, à economia, à arte, à publicidade, aos meios de comunicação, ao trabalho, enfim, a um vasto arsenal de fatores que valem por instrumentos de uma opressão cotidiana e repetida, até um aparente embotamento de suas vítimas. Desse modo, os personagens do romance muitas vezes se sentem perseguidos, acossados, para onde quer que se voltem.
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3 de janeiro de 2012

A grande Inteligência é sobreviver

Gonçalo M. Tavares, in: Investigações. Novalis
A grande Inteligência é sobreviver.
As tartarugas portanto não são teimosas nem lentas, dominam;
SIM, a ciência.
Toda a tecnologia é quase inútil e estúpida,
porque a artesanal tartaruga,
a espontânea TARTARUGA,
permanece sobre a terra mais anos que o homem.
Portanto,
como a grande inteligência é sobreviver,
a tartaruga é Filósofa e Laboratório,
e o Homem que já foi Rei da criação
não passa, afinal, de um crustáceo FALSO,
um lavagante pedante;
um animal de cabeça dura. Ponto.

2 de janeiro de 2012

Lembrete

Somos todos escritores. Só que uns escrevem, outros não.
José Saramago (1922-2011)

Frase do dia da Cátedra da Leitura da PUC-Rio

Dicionário de Poética e Pensamento

Manuel Antônio de Castro 
Princípio e fim se reúnem na circunferência do círculo.
Heráclito, frag.103
          É um dicionário digital. Distingue-se por ser feito de verbetes-questões e não por definições conceituais ou levantamento de significados semânticos. O leitor terá para cada verbete diferentes acessos através de considerações e passagens essenciais de diversos pensadores e poetas. Tais acessos querem provocar o leitor e levá-lo a questionar, a pensar, mostrando como cada verbete se constitui numa questão que não pode ser definida através de um conceito ou de conceitos. Cabe ao leitor, pelo confronto das diferentes afirmações ou interrogações, construir o seu pensamento. A questão como questão será a identidade das diferentes posições.
          Consultando o dicionário, o leitor tem acesso a diferentes ideias e indicações bibliográficas. Em muitos casos, o dicionário limita-se a transcrever uma passagem julgada essencial. Cabe a cada leitor procurar a fonte integral indicada.
          Outra ideia central no dicionário é o pensamento circular, onde uma palavra remete para outra (indicada como link em cor azul), que remete para outra e assim circularmente. Com isto, evita-se a linearidade e qualquer hierarquia de significados. O poético é o sentido presentificando-se. No lugar do sistema lógico-causal e conceitual, propomos uma sintaxe do acontecer poético como presente sempre inaugural, originário, onde no lugar dos conceitos vigoram as questões. Nestas, cada verbete-resposta solicita outras perguntas numa inter-relação questionante, circular e poética, para que o pensamento aconteça em cada leitor. Os verbetes têm três origens: 1ª. Feitos pelo autor do dicionário; 2ª. Pelos editores; 3ª. Por citações de autores, devidamente assinaladas nas indicações bibliográficas. Como a ideia de questionamento orienta todo o dicionário, em alguns verbetes há uma citação do autor, seguida de comentários. São feitos com o intuito de levar o leitor também a questionar, a concordar ou discordar, num desafio constante do pôr-se a caminho do pensar.
Que tal começar a travessia?
Clique aqui para ver uma página aleatória, ou veja a lista completa de verbetes!

Três anotações em torno da técnica

I
A partir de textos de Manuel Antonio de Castro
(http://travessiapoetica.blogspot.com/ 
http://acd.ufrj.br/~travessiapoetic/index.htm)
O que é techné
Estudar e aprofundar a questão da arte, isto é techné.
Palavra que, em grego, diz conhecimento.
*
Quando técnica se torna tecnologia?
Ao se tornar instrumento de autoafirmação, massificação, destruição e mediocrização.
Quando não mais sabe lidar com as coisas.
Quando não é mais movido e orientado pelas coisas,
de um modo nem idealista, nem realista,
mas compreensivo.
*
Na cultura contemporânea, aconteceu a reunião impensável:
techné + logos =  tecnologia.
Tecnologia não é o conjunto do aparato técnico produzido pela ciência;
tecnologia implica em uma visão técnica do mundo, onde vigora a eficácia e a utilidade.
***
II
Que fazer quando a criação do mundo, segundo a nossa vontade,
furtivamente toma conta da terra?
O que um homem faz então?
          Essa pergunta também se fez Martim, em A maçã no escuro, de Clarice Lispector, quando lhe chegou o duro tempo da explicação. Também para ele, a arte se manifestou. Entenda-se aqui, arte no sentido de busca de um saber que supera as limitações da época, aberto pela techné, , na tradição japonesa, caminho de auto-perfeiçoamento pela aprendizagem de uma arte.
          Martim, à custa de um controle de arte [...] se apegou a uma verdade apenas. O caminho de auto-aperfeiçoamento o levou à compreensão da verdade singular das coisas.  E à estranheza, pois rompeu com a busca na direção da universalização, da verdade abstrata e polivalente.
          A arte de Martim aproxima-se daquela desenvolvida por Lucrécia, a arte de ver. Com olhos de contra-Medusa, ela permitia a livre movimentação e ao mesmo tempo o emolduramento de cada coisa como uma obra.


***
III
Normalmente, vemos as coisas como matéria e forma,
interpretando-as como instrumentos,
em função da sua utilidade ou do seu conteúdo. 
          Quando deu o exemplo dos sapatos da camponesa no quadro de Van Gogh, em A origem da obra de arte, Heidegger observou bem que a utilidade dos sapatos dependia de um outro item por ele chamado solidez. Se quisermos chegar ao que é essencial nos sapatos, não basta descrevê-los, nem relatar o processo de sua fabricação, nem mesmo mostrar o modo como são utilizados. 
          Coloquemo-nos diante do quadro de Van Gogh. Aproximando-nos da obra, nos colocaremos num lugar que habitualmente não é aquele que costumamos estar. Não se trata de importar subjetividade aos sapatos. Trata-se de deixar que a obra nos desvele os sapatos em sua existência. Na obra está em obra um acontecer da verdade, aquela solidez, para além da utilidade dos sapatos.
          Nesse pensamento acerca da obra de arte, não é possível separar Verdade e Beleza. A imagem de uma pequena igreja cuja arquitetura modesta se erguera no antigo silêncio, encontrada na S. Geraldo de Lucrécia, em “A cidade sitiada”, de Clarice Lispector, é bela. Além de bela (ou porque é bela), a imagem nos abre para um antigo silêncio, para uma terra onde se ergue uma pequena igreja. Sem ele, a igreja é apenas um monumento. Esse silêncio é concreto. É ele que sustenta o habitar dessa igreja.
          No poético, se sustenta o habitar dos lugares. O poético confere às coisas o seu caráter de obra a ser criada. Para ver as coisas em sua poesia, é preciso ser também uma coisa a se obrar, na busca pela aproximação da verdade de um outro. O poeta é um ente-que-vê-com-arte.
          Lucrécia atentava para os movimentos dos cavalos em S. Geraldo. Eles eram seus guias. A moça via a cidade como eles. Com a cabeça a dominar o subúrbio, lançando o longo relincho,  cascos secos avançando até estacarem no ponto mais alto da colina, mesmo com medo. Nas trevas do quarto, o terror de um rei, a mocinha queria responder com as gengivas à mostra. Mal saía do quarto, sua forma se avolumava e apurava-se, e quando chegava à rua já galopava com patas sensíveis, os cascos escorregando nos últimos degraus. Da calçada deserta, ela olhava e via as coisas como um cavalo. Porque não havia tempo a perder: mesmo de noite a cidade trabalhava fortificando-se e de manhã novas trincheiras estariam de pé. 
          No momento em que os cavalos foram banidos da cidade, Lucrécia abandonou a cidade.
         A tarefa de ver requer grandeza de alma. Requer entrega para fazer da cidade, no movimento para além da sua época, uma obra de arte. Arte é não explodir a cidade, nem é levá-la a se dissipar em redundância. Não é preciso perfumar as flores, nem poetizar a poesia. É preciso ter domínio das forças, ver as coisas como um cavalo. É preciso conhecer a contenção, saber domar a explosão e ignorar a tentação da dissipação. Ser o lugar desse olhar exige trabalho.

A partir de "Claricidade – a cidade segundo Clarice", de Bia Albernaz