25 de dezembro de 2013

De volta ao Dever, de Armando Freitas Filho

Espelho meu

Imaginar um irmão idêntico
para brincar na hora morta
quando ainda treme o Inesperado
é fraqueza e fraude de filho único.
Com o espelho à mão, sob controle
o Indivisível finge dividir-se
e por uma osmose de brincadeira
pensa que sente o mesmo de quem se doa
sem dor e avareza, livre do Narciso
do Ciúme, do Crime, de Caim e Abel.

XIX (série "Noturnos")

Beijo seu arco. Recebo sua flecha.
O prazer é machucado, fruto de traição.
A dor do dia deve ser adiada. A noite
tem que custar, mesmo que não se durma
mesmo em claro, durar, no atol escuro.

30 de setembro de 2013

Dever, de Armando Freitas Filho ou O horrível dever é ir até o fim.

A segunda parte do título acima refere-se à epígrafe escolhida por Armando para o seu livro Dever. Durante cerca de dez dias, fiz-me acompanhar dele em noites silenciosas e escuras em Mofreita, Trás-os-Montes, Portugal. Ao final, escrevi este texto, num sopro.

Na parte denominada "Numeral", uma sequência que neste livro ressurge com o poema número 101, o tom é reflexivo. A poesia está ali, urdida de um jeito sério, pensada durante dias antes de ser posta no papel como peças maquinadas reloginhos maquinetas pensativas sobre o tempo, os números, influências e outros assuntos tão difíceis que não se pode nem nomeá-los. A poesia de Armando Freitas Filho destaca-se com mais força nesta e na parte inicial, denominada "Suíte", em que o livro Dever começa com lembranças, e então é tudo fácil. Parece um dever escolar, o de escrever sobre a infância, os brinquedos, os pais, a casa, todo mundo tem de escrever sobre isso. Em "Numeral", a parte indagante, cada poema é datado. Os meses estão em algarismos romanos; os dias e os anos, em arábicos. Por que será? E assim se leem os poemas de Armando, com uma sensação de inteligência não completamente captada. Enquanto na primeira parte a linguagem é tão fácil que chega a ser condescendente; na segunda, as construções são enigmáticas e elípticas. Bom, aí está um velho poeta envolto em suas possibilidades, elásticas e recidivas.

Vale a pena relê-lo. Ainda bem que o trouxe de volta. Na segunda leitura, aproximando-me dos poemas com mais familiaridade, minha aposta é que muito do Dever se converterá em Prazer. 
Bia Albernaz


Avaliação
                        para Rita

"Infantil." Quando em voz baixa
a ferida foi nomeada, ela
começou a sangrar, ininterrupta
para quem a sofria sem saber
se era dor ou aprendizado.

A vida da ferida era sua vida
mais castigo do que crime
copiada desde o começo:
dever de caligrafia em caderno
pautado sobre a carteira
que estendeu sua tábua
até a mesa do escritório.

A letra inicial foi se formando
através de sete décadas, e continua
corrigindo o tremor da primeira folha
e chega à de hoje, tremida
por outro motivo e sentimento.


Ida ao porão

Do dia para a noite
a escada começa
a cair, sem recorrência:
os degraus desiguais
de descida são lentos
de repente, rápidos
porque esquecidos
escorregadios, finais
mas sempre arrastados
os passos que chegam
na terra do porão
sob a luz que falta
da noite para o dia.

Da série "Numeral"
105.
O corpo, calçado à força sem saber
é a armadilha: ando para frente
mas o espelho contrário se interpõe
e me rmete, retrovisor, não vidente
para o difícil andamento dos dias
contados  os que foram, os que faltam.

28 VI 2007

136.
O "fim" manuscrito de Drummond
numa folha, depois da morte da filha
difere daquele firmado por Proust
pois foram escritos com diferentes fins:
o primeiro tinha a dicção, o peso
de um bilhete de suicida, o outro
fechava os cinco sentidos, o sexto
e o sétimo volume, para sempre.

18 IX 2009
 

Entre o De Vera e o Deverá - da literatura como chamado

O que foi feito deverá (Milton Nascimento)
O que foi feito, amigo,

De tudo que a gente sonhou

O que foi feito da vida,

O que foi feito do amor

Quisera encontrar aquele verso menino

Que escrevi há tantos anos atrás

Falo assim sem saudade,

Falo assim por saber

Se muito vale o já feito,

Mas vale o que será

Mas vale o que será

E o que foi feito é preciso

Conhecer para melhor prosseguir

Falo assim sem tristeza,

Falo por acreditar

Que é cobrando o que fomos

Que nós iremos crescer

Nós iremos crescer,

Outros outubros virão

Outras manhãs, plenas de sol e de luz

O que foi feito de Vera (Milton Nascimento e Fernando Brant)
Alertem todos alarmas

Que o homem que eu era voltou

A tribo toda reunida

Ração dividida ao sol

De nossa vera cruz

Quando o descanso era luta pelo pão

E aventura sem par

Quando o cansaço era rio

E rio qualquer dava pé

E a cabeça rodava

Num gira-girar de amor

E até mesmo a fé

Não era cega nem nada

Era só nuvem no céu e raiz

Hoje essa vida só cabe

Na palma da minha paixão

De vera nunca se acabe

Abelha fazendo o seu mel

No canto que criei

Nem vá dormir como pedra

E esquecer o que foi feito de nós

          O tempo passado abre para o futuro, na canção Deverá. O tempo passado abre para o presente, na canção De Vera.
          Na primeira, o passado íntimo se abre para o futuro mundano (do eu subjetivo para o self, como presença que participa). A crença funda este dizer. A fala presente só acontece pela escuta do passado ou pela cobrança em relação às suas dívidas e promessas. Esse cobrar possui uma carga de sentimento, de dever não cumprido, como uma missão ou uma destinação que precisa ser realizada. A cobrança do passado, nesse caso, necessita acontecer de modo a abrir perspectivas, a cumprir o desígnio daquilo que somos. A dúvida dá lugar à fé. A fala acontece por conta dessa crença e o “verso menino”, junto com o sonho, não pode mais ser encontrado, nem suspirado, pois transformou-se em desejo. Assim, não se lastima a perda da infância, já que ela dá lugar a um saber e não ao nada. Sabe-se – e a mensagem do autor é dirigida a um amigo também afetado pelo mesmo pensar-sentir – que o valor do ser está em seu devir, no prosseguir que, de qualquer modo irá se realizar, mas que será melhor realizado, intensificado, plenificado, acompanhado de crescimento do mesmo pensar-sentir, caso se cobre o ser passado que fomos, não para pagar dívidas mas para reencontrar esse mesmo menino que se transforma em outro outubro, outra primavera, outra revolução. A canção do Deverá otimiza o sol, crê no sol e na luz que nos torna plenos (ironicamente, pensa-se no superaquecimento).
          A canção de Vera começa com um alerta, não mais a um amigo mas a todos. O sol ainda presente. O passado ainda presente. O passado que sempre retorna. Isto é um dado. Não se pode fugir do que fomos. Mas o que fomos? Todos, habitantes da maiúscula Vera Cruz e da minúscula vera cruz, da pátria antiga e tribal e da verdade esmagada pela exigência e cristalização do sacrifício da tribo que dividia a ração, que descansava enquanto lutava pelo pão, que mergulhava em rios feito na medida do seu corpo. E a visão ainda um pouco romântica deste passado emenda novas visões: aventura, rio, a cabeça a rodar e a fé nada metafísica ou transcendental pois era fé feito nuvem no céu e raiz. Vida puramente imanente que hoje, admite o autor, transforma o eu-lírico em eu-vigilante e desperto, e também num eu-lamentador do presente, que só existe como pathos, como expressão da paixão pela pequena Vera na palma da mão. Essa vida passada e apequenada, para não desaparecer, tornou-se abelha com a ajuda do poeta que, ao lhe aproximar dessa forma, lhe recria. E que aconselha: cuidado para não esquecer, para não dormir e se transformar em pedra. A canção termina assim, com um apelo a todos, não somos pedras a dormir.
***
          O tempo em que descanso e luta se dão ao mesmo tempo é o tempo da narração. Walter Benjamin apresenta assim esta atividade que tem como figuras arcaicas o viajante e o camponês, narradores arquetípicos que, com o passar dos tempos, foram misturados em um só personagem, nas oficinas de artesãos, em trabalhos repetitivos e algo entediantes, mas propiciadores do encontro e do reconto. A arte de narrar é uma experiência em extinção nos alerta Benjamin. Quem era o narrador? Quais as suas qualidades? Agora só o vemos à distância, diz o autor, como um corpo que se vislumbra no alto de um rochedo. Mas sabemos (ou cremos) que, sendo típica do artesão, a arte da narrativa coordena alma, mão e olhar; não é produto exclusivo da voz.
          A mão ou corpo intervém com a materialidade dos gestos aprendidos na lida, e sustenta o fluxo do que é dito. A relação entre o narrador e sua matéria – a vida humana – é uma relação artesanal. E acrescenta Benjamin: “o narrador assimila à sua substância mais íntima aquilo que sabe por ouvir dizer. Seu dom é contar sua vida; sua dignidade é conta-la inteira.”
          O que contar? Tudo que reside na memória. Reviver a experiência será possível? Ela nos chama, a própria memória se tornou uma experiência. O presente passa tão rápido, o futuro é tão incerto. Seduzidos pela memória é o titulo de um livro de Andréas Huyssen. Precisamos mais do que nunca do passado para temporalizarmos nossa existência.
          A prosa nos ajuda a viver o tempo, com o tempo e no tempo, para não sermos engolidos por ele, pois – por mais que desejemos – o tempo persiste e nos engole.
          A poesia abre o espaço para que essa existência demore, no sentido dado por Heidegger, para podermos habitar cada lugar, para sermos nós próprios lugares de afeto, para cumprirmos a missão de vera. E mesmo que só a saibamos pelo sentimento, mesmo que a reinventemos, assim narrada, retransmitida, essa missão se tornará um outro deverá.
          Termino com um poema de Drummond, cujo titulo “O chamado” enfeixa o que disse até agora, remetendo a evocação como uma vocação. Não acrescentarei aqui nenhuma leitura sobre este mesmo poema. Deixo-o na zona da sombra e esperando que ele acompanhe a todos como um desejo, um convite, uma suspeita. Aqui estamos por algo. O que nos chama? Como nos chamamos? Vamos chamar o mundo, a todos, ao amigo, para pensar-sentir?
Bia Albernaz 

O CHAMADO

(Carlos Drummond de Andrade, em “Claro enigma”)

Na rua escura o velho poeta
(lume de minha mocidade)
já não criava, simples criatura
exposta aos ventos da cidade.

Ao vê-lo curvo e desgarrado
na caótica noite urbana
o que senti, não alegria,
era, talvez, carência humana.

E pergunto ao poeta, pergunto-lhe
(numa esperança que não digo)
para onde vai – a que angra serena,
a que Parságada, a que abrigo?

A palavra oscila no espaço
um momento. Eis que, sibilino,
entre as aparências sem rumo,
responde o poeta: Ao meu destino.

E foi-se para onde a intuição,
o amor, o riso desejado
o chamavam sem que ninguém
pressentisse, em torno, o Chamado.

21 de agosto de 2013

Crônica civilista

Bia Albernaz
para Iloni Seibel, in memoriam
          Tudo começou em Santa Teresa. Esperei cerca de 40 minutos no ponto. Assim que cheguei, notei o gatinho. Estava na soleira da porta de uma mulher que ali, todos os dias, lhe deixava o que comer. Era uma gata quase preta como a minha, também da rua. Essa estava triste, aproximou-se de mim e disse uma mulher com uma trança escura pendente de um dos lados. De brincos dourados e fala solta, ela me contou: se fosse meu marido, ele apanhava o gato. A conversa estendeu-se e os olhos também. Cadê esse ônibus que não vem? Consegui um lugar mas no Guimarães me levantei: uma fila de cabeças brancas subia, degrau a degrau. E, a cada um, o motorista cobrava, esperava, cobrava, esperava, cobrava.
          Fui para a parte de trás no recuo do ônibus com a mochila pesada num ombro só. Pensei na mulher que se gabava de dançar "pole dance" enquanto me equilibrava com um bráço no alto, seguro na haste de metal. Depois mudei de posição e passei a me equilibrar com o corpo encostado na haste vertical e, junto com todo mundo, desci a sacudir pelos paralelepípedos ladeira abaixo até o largo da Carioca. Ali o motorista impacientou-se: para ele o ponto final devia ser antes do ponto final e quando eu pedi para ele parar... no ponto final, me olhou com cara de nojo. Fui saltar, mas uma velhinha se aproveitou: vou saltar também. Deixei que fosse no seu passo lento à minha frente e, antes que eu colocasse inteiramente os meus dois pés no asfalto, o ônibus já se mexia, partia.
          Ufa, agora o metrô, sempre mais civilizado, mesmo que primeiro em pé, depois sentada. No caminho até o Estácio deu para puxar um livro - gatilho para se distrair no gozo de um assento vago. E foi até o Estácio porque a estação da Prefeitura, para onde eu ia - a Cidade Nova - ficava na linha 2. E descobri, com cem anos de atraso: há uma linha 2 no metrô!
          Então, a surpresa - a Cidade Nova também existe. E como! Para se ter uma ideia do cenário com prédios de convenções, vidros nas janelas, capacetes, operários, cheiro de poeira misturado ao pó de cimento, o nome da rua onde passei é Beatriz Lucas Goidorotti (ou algo assim), pessoa que morreu em 2004, e era, explicava a placa, um empresário do ramo dos seguros. Grande mistério, um homem chamado Beatriz Lucas e, ainda por cima, homenageado com o batismo de uma rua. Ao fundo vi. Era um prédio azul-prata com vidros cegantes onde, em letras descomunais, reinava o nome de uma grande companhia de seguros, e pressenti o conluio.
          Na Prefeitura, a cidade vira uma espécie de circo ou de feira, uma gincana sem graça em todo o caso, até se acertar a fila em que se devia estar. E ali ficar a ruminar uma raiva cidadã. Mas a indignação era pouca, muda. Ainda bem que eu tinha ali o meu gatilho logo devidamente disparado. Ah, os assuntos do século XIX, iguaizinhos aos nossos. Só que agora o ócio da discussão pela manhã entrega-se às apresentadoras no monitor de uma tevê ao fundo, ai que monotonia!
          Sua vez! Um guarda na porta indica que agora cabe a mim a vez de mostrar meus metais para  passar a roleta e entrar na agência do banco e esperar lá dentro, ainda que sem lugar para sentar. Depois de deixar ali um pouco do meu sangue, do meu suor e da dureza do meu dever em forma de imposto, fiz o caminho de volta.
          À frente da Prefeitura, um protesto de guardas municipais, que gritavam vergonha, vergonha, salário de fome e o prefeito que só negocia com o povo nas ruas mas com eles não. Ai, ai! Passo pela Beatriz Lucas e desço novamente na estação das catacumbas do Estácio mas nada aqui parece sagrado ou histórico ou pitoresco por isso espero poder sentar e poder ler mais um pouco.
          Mas esqueci de dizer: o céu nesse dia estava azul. Muito. Desci na São Clemente e entrei no jardim do Rui Barbosa. É um espaço mais republicano. Aqui estamos, aqui nos deixamos ficar em um banco de madeira, entre bebês, aposentados e babás.
          Estamos fazendo a digestão, nós, os do ócio. As babás e as mamães, não. Essas sumiram enquanto eu revia meus passos e as caras das pessoas, antes delas se afastarem para sempre. Os bebês se foram. É hora dos que tem casa e comida ou dos que têm de se arranjar sem um ou outro. Então, boa tarde, digo eu. Falo para dentro mas miro o meu olhar ao redor - funcionários contratados divertem-se nessa meia-hora entre um ir e um vir. Como não se fura a fila nem se adianta a hora, cada um, a seu modo, espera, se esprai ou se espanta, que a vida é de se espantar.

8 de abril de 2013

Wlademir Dias-Pino




Brasília e a Poesia Concreta
Wlademir Dias-Pino [1958]



    •     a arquitetura
    Um homem americano parado em sua roupa de linhas retas – calças e paletó e até mesmo com cartola – muito se assemelha a um arranha-céu. O indígena escolhe para tanga a palha que cobre a taba. O árabe, esse, se veste com a forma de uma tenda. A japonesa carrega nas mangas do vestido formas semelhantes a beirais de seus telhados. É que o homem, na rua, psicologicamente, quer se sentir protegido. É, também, que a arquitetura sempre foi um marco – monumento vivo – ao tempo que o homem habita.

    •     os tempos
    Um Hitler porque estava no poder apoiando-se na tradição militarista alemã era contra a renovação. Já Mussolini – embora fosse um homem que concordasse com o ditador alemão – estava tomando o lugar do rei, então, não podia, de forma alguma, firmar uma tradição e era pela renovação.
Aqui no Brasil o modernismo de 22 estava cercado por uma série de acontecimentos políticos. A geração de 30 ajudada por Getúlio Vargas fez a literatura social-econômica do nordeste. Uma literatura abrasante. Era um estado novo para o Brasil.
    A leda e pálida geração de 45 anunciava o enfraquecimento dos partidos políticos. Agora surge o Concretismo 1956 justamente na época do nascimento de Brasília. É que o Brasil começa a se industrializar. Há uma renovação constante de técnica na procura de uma técnica toda nossa e isso é também o Concretismo.
    A poesia concreta quer resolver o espaço branco do papel pela maneira mais funcional. Poesia concreta é espaço e luz. Nem é à-toa que um poema concreto se assemelha a uma sadia planta arquitetônica.
    É que Brasília e Poesia concreta são um marco ao tempo que o homem habita.

    •     um poema
    Se fossemos fazer um poema concreto em homenagem ao Sr. Juscelino, por ex., teríamos conscientemente de dividir o trinômio.

    escola
    energia
    transporte

    escola - seria o abc.
    energia – seria a existência de cada palavra habitando um tempo, isto é, revelando um espaço.
    transporte – a movimentação pela própria ordem alfabética então, reunindo as “sínteses” teríamos o poema:

        a b c d e f g h i JK

Prezados alunos meus

Espero que – como dizem – as crises sejam úteis. Continuo como a professora primária a arder no ônibus pela culpa de não ter sido o ideal. A gente não se cura de ideais – a gente, professora. E quer formar. Ledo engano. A gente é só rescaldo de experiência. Olhem, o sentido está em aparentar que se é professora, quando o segredo é que se é tão aluna quanto. O remorso de estar sem idéias ou ideais arde no primário do professor, que se esquece de sua vocação como carregador de forças. Mas não carrego a força de vocês não. Carrego uma tocha? Carrego uma brisa. Carrego chuvas. Carrego um laguinho sorridente. Carrego até um pouco de inferno e muito de caos. Me perdoem se vocês esperavam uma formadora. Eu estou em plena troca de peles. E não tenho como discursar agora quando estou vestida de mudança. Em plena troca de pele. Paciência e aprendizagem. Com o silêncio e com as palavras de confusão:

De quem será essa voz que diz coisas sobre a estrela a brilhar na testa dos outros? São coisas. Às vezes comentários sobre a obscenidade do brilho, às vezes sobre o amanhecer que era possível ver na testa. De quem será essa voz disfarçada de comandar brilhos alheios? Contei histórias em que meu umbigo intrometeu-se na esfera aureolada de uma distância fora do seu alcance. Contei nos dedos as estrelas que foram espadas, mas quem precisa de olhos atravessados pela prata cinzelada e pelo fio cortante da perspicácia? “Não, dê boas-noites, reze e durma.” Hoje já é iluminado por si-só.

A reza do por si-só
Creio em figuras e noções compactas.
Creio na fé do que se diz escrito.
Creio no caldeirão da própria alma.
Creio que, por si-só, a gente sabe.
Creio que o fogo arde e a água esfria
e que é possível lançar um ou expurgar outro.
Mas ambos sempre hão de jazer, disponíveis.
Creio que as virtudes são em em sol e solidão
onde farpa não entra
e que estas são as escritas finas.
Creio, meus amigos, e não abro mão das bençãos.
Diga sim, diga não, é benção.
É dizer: creio, por si-só.

Escrevam por lanches ou por dinheiros. Seremos sempre sós. Escrevam por lógicas ou elogios. Tanto faz. Só no tamborilar dos símbolos, ressurgirá o ritmo da vida como vírgula. O ritual na escritura. Beijos de quem também adormece, BiaA.

Nota: não esquecer da criação e da recreação para além dos credos.