18 de abril de 2011

Narrativa, explicação e fluência - as fichas como método

          Segundo Benjamin, foi preciso que passassem centenas de anos, desde os seus primórdios, para o romance encontrar, na burguesia ascendente, os elementos favoráveis a seu florescimento. Os jornais contribuíram para a divulgação do gênero, através dos folhetins, mas a imprensa  baseia-se em uma linguagem cuja tônica comunicativa distancia-se da forma épica: a linguagem forjada pela e para a transmissão de informações, ameaçadora ao próprio romance. A informação aspira à verificação imediata; precisa ser compreensível “em si e para si”; é plausível, mesmo que inexata; só tem valor quando nova; entrega-se e explica o momento. 
O texto "O narrador - considerações sobre a obra de Nikolai Leskov" encontra-se no livro acima (trad. de Sergio Paulo Rouanet). Também está, com uma outra tradução (José Lino Grünnnewald et alli), na coleção "Os pensadores".
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          Tire as explicações 
         Quando publiquei minha primeira plaqueta de poemas ("Ponta do mistério"), pela Coleção Ladrões do Fogo me disseram que meus poemas explicavam demais. Também ouvi muito dizer que a explicação é prosaica e compreendo que a sonoridade na poesia, que a singularidade e a poeticidade do instante são prejudicadas diante do excesso de conectores explicativos. Não sei se veio daí a retirada sistemática de elementos explicativos como marca de minha poesia.
           Mas a questão que me ocorre agora é correlata a esta necessidade, de buscar um outro modo de dizer as coisas, sem explicações. Trata-se de compreender as passagens que fazem possível a prosa. Ora, são justamente os conectores que transmitem a sensação de passagem do tempo, fazendo assim que a narrativa aconteça. Como realizar as passagens na escrita, sem que ela dê um salto grande demais? Como instituir uma ordenação diante da não linearidade da memória e do pensamento de um modo geral. Há quem goste de ler pulando degraus mas às vezes faz falta um desenvolvimento, a ligação ou fluência nas passagens de uma cena  à outra, para que nós, leitores, possamos mergulhar na história como um todo único. Escrevo isso porque admiro a fluência, mesmo sem descartar a verdade dos fragmentos. Na era do twitter, falar em desenvolvimento parece extemporâneo. No entanto, Benjamin, em sua comparação da arte narrativa com a crônica jornalística, destaca, na primeira, a mesma necessidade que experimentei com a poesia - a de evitar explicações. Diz ele:
Cada manhã recebemos notícias de todo mundo.
E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes.
Fatos já nos chegam acompanhados de explicações.
Quase nada do que acontece está a serviço da narrativa e quase tudo a serviço da informação. Metade da arte narrativa está em evitar explicações.
          Esta colocação dá o que pensar. Somos pobres em histórias surpreendentes? A vida nos encarrega de criar acontecimentos suficientemente fortes a todo momento para compreendermos a nossa impossibilidade de dar explicações sobre tudo. Ainda assim, no sistema escolar todo o ensino baseia-se na visão de que a ciência explica e o aluno deve decorar essas explicações. Estimulando  e reforçando esta visão, professores e educadores acreditam contribuir para o progresso  de ambos.  Essa visão estreita, no entanto, extrapola os limites da escola, que apenas a reproduz um modo de compreensão geral fundado na ânsia de controlar os acontecimentos, e - escolarizadas ou não - muitas pessoas procuram o tempo todo se assegurar de que está tudo bem, segurando-se em qualquer arremedo explicativo mesmo e principalmente em relação aos acontecimentos fortes que nos surpreendem a cada momento. Por isso, a colocação de Benjamin continua provocante e remete quem se dedica à arte narrativa à questão: mas então como faço para descrever as passagens de um acontecimento para outro? Como trazer sentido ao narrado? Como conectar, ou melhor, como fazer a narrativa fluir, sem explicar?
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          Fichas como método
         Não há resposta satisfatória mas há métodos que os escritores inventam para que consigam criar uma ordem sequencial entre as várias cenas imaginadas de uma história que vão contar. Um deles é pela escrita dessas cenas, assim como de dados que as contextualizam histórica, psicológica ou geograficamente, em fichas. O próprio Benjamin era um aficcionado do método e colecionava suas impressões, pensamentos, descrições em fichas, codificadas por ele, segundo um sistema muito particular de agrupamento em temas.
          Pesquisando na internet, soube ainda que Nabokov ajustava a escrita não linear dos episódios à necessidade da linearidade nos romances desta maneira.

          Mais além, descobri que esse sistema é largamente empregado e discutido. Parece que há os adeptos do caderninho e os que vibram pelas fichas (Index cards). Há variações, com a fixação das fichas em grandes painéis, mais usados na escrita de roteiros. A vantagem das fichas sobre os caderninhos, quando se está em meio a escrita de uma história longa, parece ser a mobilidade que a escrita em fichinhas permite. Podem ser deslocadas, visualizadas ou rejeitadas mais facilmente. Para isso, há toda uma técnica  (a bem da magia!) a ser desenvolvida na escrita das idéias no espaço exíguo de uma ficha. Aqui vão alguns links de textos a respeito do assunto, encontrados em inglês:
How to Use Index Cards to Write a Novel Outline (Stuart Brown - EzineArticles.com)
Writing series - Organizing research with note cards (studygs.net)
Still Saving the Cat (Pooks - guiltyofbeing.blogspot.com)
Hurrah for the Index Card! (Maeve Maddox - dailywritingtips.com)
Using Index Cards to Plot a Novel (Marilynn Byerly - fictionfactor.com)
Searching for a Method to the Madness (tekaranlady.blogspot.com)
Thoughts on Using Index Cards (Jamie Grove - hownottowrite.com) 

More Index Card Love! (doesthispenwrite.wordpress.com)
Nonlinear Nabokov (www.fractalog.com)
Ficha de Nabokov para a escrita de Lolita (lolita-a-study-guide)
This column will change your life - Laugh all you like, says Oliver Burkeman, index cards are pretty cool (guardian.co.uk)

Mais sobre Nabokov: no portal da The New York Public Library, ver o site  Nabokov under the glass

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