Nada é mais chato ou mais injusto para o autor do que começar a ler, digamos, Madame Bovary, com a ideia preconcebida de que se trata de uma denúncia da burguesia. Devemos sempre lembrar que a obra de arte é, invariavelmente, a criação de um novo mundo, de modo que a primeira coisa que devemos fazer é estudar esse novo mundo tão perto quanto possível, aproximando-o como algo novo, não tendo óbvia conexão com os mundos que já conhecemos. Quando este novo mundo tiver sido cuidadosamente estudado, então e só então vamos examinar as suas ligações com outros mundos, outros ramos do conhecimento.
Outra pergunta: Podemos esperar recolher informações sobre locais e épocas a partir de um romance? Alguém pode ser tão ingênuo a ponto de pensar que ele ou ela pode aprender algo sobre o passado daqueles best-sellers que rondam os clubes do livro sob o título de romances históricos? Mas e as obras-primas? Podemos confiar com a imagem de Jane Austen sobre latifúndios na Inglaterra com baronetes e paisagens ajardinadas quando tudo que ela sabia provinha do salão de um clérigo?
A verdade é que grandes romances são grandes contos de fadas.
Tempo e espaço, as cores das estações do ano, os movimentos dos músculos e mentes, tudo isso consiste – para os escritores de gênio (tanto quanto podemos adivinhar e confio que adivinhamos corretamente) – não em um conhecimento tradicional que pode ser tomado de empréstimo da biblioteca das verdades públicas, mas uma série de surpresas únicas que mestres artistas fazem circular e aprenderam a expressar em sua própria maneira original. Para autores menores deixa-se a ornamentação do lugar-comum: estes não se incomodam sobre qualquer reinvenção do mundo; eles simplesmente tentam espremer o melhor de uma determinada ordem de coisas, fora dos padrões tradicionais de ficção. As várias combinações que esses autores menores são capazes de produzir dentro de limites definidos podem ser bastante divertidas, de uma forma suavemente efêmera porque leitores menores gostam de reconhecer as suas próprias ideias sob um disfarce agradável. Mas o verdadeiro escritor, o sujeito que faz planetas girarem, que dá forma a um homem adormecido e que ansiosamente mexe com a espinha de alguém que vai dormir, não tem valores à sua disposição: ele deve criá-los ele mesmo. A arte de escrever é um negócio muito fútil se não implica, antes de tudo, a arte de ver o mundo como ficção em potencial. A materialidade deste mundo pode ser suficientemente real (tanto quanto a realidade pode ser), mas não existe de maneira nenhuma como uma totalidade já aceita: é caos, e esse caos, o autor diz "vá!" permitindo que o mundo cintile e se encaixe em um fuso. Ele então recombina-se até os átomos, e não apenas nas suas partes visíveis e superficiais. O escritor é o primeiro homem a mapeá-lo e nomear os objetos naturais que ele contém. Os frutos lá são comestíveis. Essa criatura malhada que tranca o meu caminho precisa ser domada. Esse lago entre aquelas árvores será chamado Lake Opal ou, mais artisticamente, Dishwater Lake. Essa névoa é uma montanha e essa montanha deve ser conquistada. Até um declive sem trilhas sobe o mestre artista, e no topo, em um cume ventoso, quem você acha que ele encontra? O leitor ofegante e feliz, e lá eles espontaneamente se abraçam e estão ligados para sempre se o livro durar para sempre.
Outra pergunta: Podemos esperar recolher informações sobre locais e épocas a partir de um romance? Alguém pode ser tão ingênuo a ponto de pensar que ele ou ela pode aprender algo sobre o passado daqueles best-sellers que rondam os clubes do livro sob o título de romances históricos? Mas e as obras-primas? Podemos confiar com a imagem de Jane Austen sobre latifúndios na Inglaterra com baronetes e paisagens ajardinadas quando tudo que ela sabia provinha do salão de um clérigo?
A verdade é que grandes romances são grandes contos de fadas.
Tempo e espaço, as cores das estações do ano, os movimentos dos músculos e mentes, tudo isso consiste – para os escritores de gênio (tanto quanto podemos adivinhar e confio que adivinhamos corretamente) – não em um conhecimento tradicional que pode ser tomado de empréstimo da biblioteca das verdades públicas, mas uma série de surpresas únicas que mestres artistas fazem circular e aprenderam a expressar em sua própria maneira original. Para autores menores deixa-se a ornamentação do lugar-comum: estes não se incomodam sobre qualquer reinvenção do mundo; eles simplesmente tentam espremer o melhor de uma determinada ordem de coisas, fora dos padrões tradicionais de ficção. As várias combinações que esses autores menores são capazes de produzir dentro de limites definidos podem ser bastante divertidas, de uma forma suavemente efêmera porque leitores menores gostam de reconhecer as suas próprias ideias sob um disfarce agradável. Mas o verdadeiro escritor, o sujeito que faz planetas girarem, que dá forma a um homem adormecido e que ansiosamente mexe com a espinha de alguém que vai dormir, não tem valores à sua disposição: ele deve criá-los ele mesmo. A arte de escrever é um negócio muito fútil se não implica, antes de tudo, a arte de ver o mundo como ficção em potencial. A materialidade deste mundo pode ser suficientemente real (tanto quanto a realidade pode ser), mas não existe de maneira nenhuma como uma totalidade já aceita: é caos, e esse caos, o autor diz "vá!" permitindo que o mundo cintile e se encaixe em um fuso. Ele então recombina-se até os átomos, e não apenas nas suas partes visíveis e superficiais. O escritor é o primeiro homem a mapeá-lo e nomear os objetos naturais que ele contém. Os frutos lá são comestíveis. Essa criatura malhada que tranca o meu caminho precisa ser domada. Esse lago entre aquelas árvores será chamado Lake Opal ou, mais artisticamente, Dishwater Lake. Essa névoa é uma montanha e essa montanha deve ser conquistada. Até um declive sem trilhas sobe o mestre artista, e no topo, em um cume ventoso, quem você acha que ele encontra? O leitor ofegante e feliz, e lá eles espontaneamente se abraçam e estão ligados para sempre se o livro durar para sempre.
“Um lugar de descanso” de Dan-ah Kim |
Selecione quatro respostas para a pergunta como deve ser um leitor para ser um bom leitor:
1. O leitor deve pertencer a um clube do livro.
2. O leitor deve identificar-se com o herói ou heroína.
3. O leitor deve concentrar-se no ângulo econômico-social.
4. O leitor deve preferir uma história de ação e diálogo.
5. O leitor deve ter visto o livro em um filme.
6. O leitor deve ser um aspirante a autor.
7. O leitor deve ter imaginação.
8. O leitor deve ter memória.
9. O leitor deve ter um dicionário.
10.O leitor deve ter algum senso artístico.
Alunos apoiam-se fortemente na identificação emocional, na ação e no ângulo socioeconômico ou histórico. Claro que, como você já deve ter adivinhado, o bom leitor é aquele que tem imaginação, memória, um dicionário, e algum senso artístico – senso que proponho a desenvolver em mim mesmo e nos outros sempre que tenho a chance.
Aliás, eu uso a palavra leitor muito vagamente. Curiosamente, uma pessoa não pode ler um livro: só pode relê-lo. Um bom leitor, um leitor importante, uma leitor ativo e criativo é um releitor. E vou dizer porquê. Quando lemos um livro pela primeira vez, o próprio processo de mover laboriosamente nossos olhos da esquerda para a direita, linha após linha, página após página, esse complicado trabalho físico sobre o livro, o próprio processo de aprendizagem em termos do espaço e do tempo abordados pelo livro, ficam entre nós e a apreciação artística. Quando olhamos para uma pintura não temos que mover nossos olhos de uma maneira especial, mesmo se, como em um livro, a imagem contenha elementos de profundidade e desenvolvimento. O elemento temporal realmente não entra num primeiro contato com uma pintura. Ao ler um livro, temos de ter tempo para nos familiarizarmos com ele. Nós não temos nenhum órgão físico (como temos o olho no que diz respeito a uma pintura) que toma toda a imagem e então pode desfrutar seus detalhes. Mas em uma segunda ou terceira, ou quarta leitura, em certo sentido, nos comportamos com um livro como fazemos com uma pintura. No entanto, não confundamos o olho físico, essa obra-prima monstruosa da evolução, com a mente, uma conquista ainda mais monstruosa. Um livro, não importa se uma obra de ficção ou uma obra científica (a linha de fronteira entre os dois não é tão clara quanto geralmente se acredita), um livro de ficção apela em primeiro lugar para a mente. A mente, o cérebro, a parte superior da formigante coluna vertebral, é, ou deveria ser, o único instrumento utilizado na leitura de um livro.
1. O leitor deve pertencer a um clube do livro.
2. O leitor deve identificar-se com o herói ou heroína.
3. O leitor deve concentrar-se no ângulo econômico-social.
4. O leitor deve preferir uma história de ação e diálogo.
5. O leitor deve ter visto o livro em um filme.
6. O leitor deve ser um aspirante a autor.
7. O leitor deve ter imaginação.
8. O leitor deve ter memória.
9. O leitor deve ter um dicionário.
10.O leitor deve ter algum senso artístico.
Alunos apoiam-se fortemente na identificação emocional, na ação e no ângulo socioeconômico ou histórico. Claro que, como você já deve ter adivinhado, o bom leitor é aquele que tem imaginação, memória, um dicionário, e algum senso artístico – senso que proponho a desenvolver em mim mesmo e nos outros sempre que tenho a chance.
Aliás, eu uso a palavra leitor muito vagamente. Curiosamente, uma pessoa não pode ler um livro: só pode relê-lo. Um bom leitor, um leitor importante, uma leitor ativo e criativo é um releitor. E vou dizer porquê. Quando lemos um livro pela primeira vez, o próprio processo de mover laboriosamente nossos olhos da esquerda para a direita, linha após linha, página após página, esse complicado trabalho físico sobre o livro, o próprio processo de aprendizagem em termos do espaço e do tempo abordados pelo livro, ficam entre nós e a apreciação artística. Quando olhamos para uma pintura não temos que mover nossos olhos de uma maneira especial, mesmo se, como em um livro, a imagem contenha elementos de profundidade e desenvolvimento. O elemento temporal realmente não entra num primeiro contato com uma pintura. Ao ler um livro, temos de ter tempo para nos familiarizarmos com ele. Nós não temos nenhum órgão físico (como temos o olho no que diz respeito a uma pintura) que toma toda a imagem e então pode desfrutar seus detalhes. Mas em uma segunda ou terceira, ou quarta leitura, em certo sentido, nos comportamos com um livro como fazemos com uma pintura. No entanto, não confundamos o olho físico, essa obra-prima monstruosa da evolução, com a mente, uma conquista ainda mais monstruosa. Um livro, não importa se uma obra de ficção ou uma obra científica (a linha de fronteira entre os dois não é tão clara quanto geralmente se acredita), um livro de ficção apela em primeiro lugar para a mente. A mente, o cérebro, a parte superior da formigante coluna vertebral, é, ou deveria ser, o único instrumento utilizado na leitura de um livro.
Um bom leitor, um leitor importante, um ativo e criativo leitor é um releitor. |
Sendo assim, devemos ponderar a questão de como a mente funciona quando o leitor mal-humorado é confrontado com um livro ensolarado. Em primeiro lugar, o mau humor se derrete e, para melhor ou pior, o leitor entra no espírito do jogo. O esforço para começar um livro, especialmente se ele é elogiado por pessoas a quem o jovem leitor julga secretamente serem demasiado antiquadas ou muito sérias, este esforço é muitas vezes difícil de fazer; mas uma vez feito, as recompensas são várias e abundantes. Uma vez que o mestre artista usou sua imaginação na criação de seu livro, é natural e justo que o consumidor de um livro deva usar sua imaginação também.
Há, no entanto, pelo menos duas variedades de imaginação no caso do leitor. Vamos ver qual das duas é a indicada para usar na leitura de um livro. Em primeiro lugar, há o tipo relativamente modesto que serve como apoio às emoções simples e é de natureza definitivamente pessoal. (Há diversas subvariedades aqui, nessa leitura emocional.) A situação em um livro é intensamente sentida porque nos lembra de algo que aconteceu a nós ou a alguém que conhecemos. Ou o leitor escolhe o livro, principalmente porque ele evoca um país, uma paisagem, um modo de ser que ele recorda com nostalgia, como parte de seu próprio passado. Ou, e essa é a pior coisa que um leitor pode fazer, ele se identifica com um personagem do livro. Essa humilde variedade não é o tipo de imaginação eu gostaria que os leitores usassem.
Então, qual o instrumento válido a ser usado pelo leitor? É a imaginação impessoal e o deleite artístico. O que deve ser estabelecida, eu acho, é um equilíbrio harmonioso entre a mente do leitor e do autor. Devemos permanecer um pouco distantes e ter prazer nesse distanciamento e, ao mesmo tempo, profunda e apaixonadamente desfrutar, com lágrimas e arrepios, o tecido interno de uma determinada obra-prima. Ser totalmente objetivo nesses assuntos é, naturalmente, impossível. Tudo que vale a pena é, em certa medida, subjetivo. Por exemplo, você sentado aí pode ser apenas o meu sonho, e eu posso ser o seu pesadelo. Mas o que eu quero dizer é que o leitor deve saber quando e onde refrear a sua imaginação e isso ele faz ao tentar esclarecer o mundo específico que o autor coloca à sua disposição. Temos de ver coisas e ouvir coisas, devemos visualizar as salas, as roupas, os costumes do povo de um autor. A cor dos olhos de Fanny Price em Mansfield Park e o mobiliário do frio quarto dela são importantes.
Todos temos diferentes temperamentos, e posso dizer agora que o melhor temperamento para um leitor ter ou desenvolver é uma combinação do artístico e do científico. Um artista entusiasmado é capaz de ser subjetivo em sua atitude com relação a um livro, e também temperar o seu intuitivo calor com a frieza de um julgamento de científica. Se, no entanto, um possível leitor é totalmente desprovido de paixão e paciência – da paixão de um artista e a paciência de um cientista – ele dificilmente irá desfrutar de grande literatura.
Há, no entanto, pelo menos duas variedades de imaginação no caso do leitor. Vamos ver qual das duas é a indicada para usar na leitura de um livro. Em primeiro lugar, há o tipo relativamente modesto que serve como apoio às emoções simples e é de natureza definitivamente pessoal. (Há diversas subvariedades aqui, nessa leitura emocional.) A situação em um livro é intensamente sentida porque nos lembra de algo que aconteceu a nós ou a alguém que conhecemos. Ou o leitor escolhe o livro, principalmente porque ele evoca um país, uma paisagem, um modo de ser que ele recorda com nostalgia, como parte de seu próprio passado. Ou, e essa é a pior coisa que um leitor pode fazer, ele se identifica com um personagem do livro. Essa humilde variedade não é o tipo de imaginação eu gostaria que os leitores usassem.
Então, qual o instrumento válido a ser usado pelo leitor? É a imaginação impessoal e o deleite artístico. O que deve ser estabelecida, eu acho, é um equilíbrio harmonioso entre a mente do leitor e do autor. Devemos permanecer um pouco distantes e ter prazer nesse distanciamento e, ao mesmo tempo, profunda e apaixonadamente desfrutar, com lágrimas e arrepios, o tecido interno de uma determinada obra-prima. Ser totalmente objetivo nesses assuntos é, naturalmente, impossível. Tudo que vale a pena é, em certa medida, subjetivo. Por exemplo, você sentado aí pode ser apenas o meu sonho, e eu posso ser o seu pesadelo. Mas o que eu quero dizer é que o leitor deve saber quando e onde refrear a sua imaginação e isso ele faz ao tentar esclarecer o mundo específico que o autor coloca à sua disposição. Temos de ver coisas e ouvir coisas, devemos visualizar as salas, as roupas, os costumes do povo de um autor. A cor dos olhos de Fanny Price em Mansfield Park e o mobiliário do frio quarto dela são importantes.
Todos temos diferentes temperamentos, e posso dizer agora que o melhor temperamento para um leitor ter ou desenvolver é uma combinação do artístico e do científico. Um artista entusiasmado é capaz de ser subjetivo em sua atitude com relação a um livro, e também temperar o seu intuitivo calor com a frieza de um julgamento de científica. Se, no entanto, um possível leitor é totalmente desprovido de paixão e paciência – da paixão de um artista e a paciência de um cientista – ele dificilmente irá desfrutar de grande literatura.
Um escritor deveria ter a precisão de um poeta e a imaginação de um cientista. Por Ryan Sheffield |
A literatura nasceu não o dia em que um menino gritou “lobo”, quando um lobo cinzento e grande veio correndo por um vale Neandertal em seus calcanhares: a literatura nasceu no dia em que um menino gritou “lobo”, “lobo” e não havia lobo nenhum atrás dele. Que o coitadinho, por conta de ter mentido muito muitas vezes, tenha finalmente sido comido por um animal real é algo acidental. Mas aqui está o que é importante. Entre o lobo na grama alta e o lobo na altura de uma história há uma cintilante passagem. Essa passagem, esse prisma, é a arte da literatura.
Literatura é invenção. Ficção é ficção. Chamar uma história de uma história verdadeira é um insulto tanto à arte quanto à verdade. Todo grande escritor é um grande enganador, mas assim é também a Natureza. A natureza sempre engana. Do simples engano de propagação da luz à ilusão prodigiosamente sofisticada de cores de proteção em borboletas ou pássaros, existe na natureza um maravilhoso sistema de magia e artimanhas. O escritor de ficção segue apenas o comando da Natureza. Voltando por um momento para nosso lanoso companheiro a gritar “lobo” pela floresta, podemos colocar da seguinte forma: a magia da arte estava na sombra da lobo que ele deliberadamente inventou, o seu sonho do lobo; em seguida, seu truque fez uma boa história. Quando ele morre, finalmente, a história contada sobre ele torna-se uma boa lição no escuro ao redor da fogueira. Mas ele era o pequeno mágico. Ele foi o inventor.
Há três pontos de vista de que um escritor pode ser considerado: ele pode ser considerado como um contador de histórias, como um professor e como um mago. Um grande escritor combina esses três – contador de histórias, professor e feiticeiro – mas é o encantador nele que predomina e faz dele um grande escritor. O contador de histórias nos leva ao entretenimento, à excitação mental do tipo mais simples, à participação emocional, ao prazer de viajar para alguma região remota no espaço ou no tempo. Mentes ligeiramente diferentes, embora não necessariamente superiores buscam o professor no escritor. Propagandista, moralista, profeta – essa é a sequência crescente. Podemos ir para o professor não só para a educação moral, mas também para o conhecimento direto por fatos simples. Ai de mim, conheci pessoas cujo propósito em ler romancistas franceses e russos para aprender algo sobre a alegre vida em Paris ou sobre a triste Rússia. Finalmente, e acima de tudo, um grande escritor é sempre um grande mago, e é aqui que chegamos a parte realmente emocionante, ao tentar compreender a magia individual de seu gênio e ao estudar o estilo, o imaginário, o desenho [pattern] de seus romances ou poemas.
As três facetas do grande escritor – mágica, história, aula – são propensas a misturar-se em uma impressão de brilho unificado e único, uma vez que a magia da arte esteja presente na raiz [in the very bones] da história, na medula do pensamento. Há obras-primas de pensamento límpido seco, organizado, que provocam em nós um frêmito artístico tão forte quanto um romance como Mansfield Park faz ou quanto qualquer fluxo rico de imagens sensuais de Dickens. Parece para mim que uma boa fórmula para testar a qualidade de um romance é, num prazo longo, uma fusão da precisão da poesia e da intuição da ciência. A fim de mergulhar nessa magia, um leitor sábio lê o livro de gênio não com o coração, nem tampouco com o cérebro, mas com a sua coluna vertebral. É aí que ocorre o formigamento revelador, embora devamos nos manter um pouco distantes, um pouco destacados durante a leitura. Em seguida, com um prazer que é ao mesmo tempo sensual e intelectual vamos ver o artista construir o seu castelo de cartas e assistir sua transformação em um castelo do mais belo aço e vidro.
Literatura é invenção. Ficção é ficção. Chamar uma história de uma história verdadeira é um insulto tanto à arte quanto à verdade. Todo grande escritor é um grande enganador, mas assim é também a Natureza. A natureza sempre engana. Do simples engano de propagação da luz à ilusão prodigiosamente sofisticada de cores de proteção em borboletas ou pássaros, existe na natureza um maravilhoso sistema de magia e artimanhas. O escritor de ficção segue apenas o comando da Natureza. Voltando por um momento para nosso lanoso companheiro a gritar “lobo” pela floresta, podemos colocar da seguinte forma: a magia da arte estava na sombra da lobo que ele deliberadamente inventou, o seu sonho do lobo; em seguida, seu truque fez uma boa história. Quando ele morre, finalmente, a história contada sobre ele torna-se uma boa lição no escuro ao redor da fogueira. Mas ele era o pequeno mágico. Ele foi o inventor.
Há três pontos de vista de que um escritor pode ser considerado: ele pode ser considerado como um contador de histórias, como um professor e como um mago. Um grande escritor combina esses três – contador de histórias, professor e feiticeiro – mas é o encantador nele que predomina e faz dele um grande escritor. O contador de histórias nos leva ao entretenimento, à excitação mental do tipo mais simples, à participação emocional, ao prazer de viajar para alguma região remota no espaço ou no tempo. Mentes ligeiramente diferentes, embora não necessariamente superiores buscam o professor no escritor. Propagandista, moralista, profeta – essa é a sequência crescente. Podemos ir para o professor não só para a educação moral, mas também para o conhecimento direto por fatos simples. Ai de mim, conheci pessoas cujo propósito em ler romancistas franceses e russos para aprender algo sobre a alegre vida em Paris ou sobre a triste Rússia. Finalmente, e acima de tudo, um grande escritor é sempre um grande mago, e é aqui que chegamos a parte realmente emocionante, ao tentar compreender a magia individual de seu gênio e ao estudar o estilo, o imaginário, o desenho [pattern] de seus romances ou poemas.
As três facetas do grande escritor – mágica, história, aula – são propensas a misturar-se em uma impressão de brilho unificado e único, uma vez que a magia da arte esteja presente na raiz [in the very bones] da história, na medula do pensamento. Há obras-primas de pensamento límpido seco, organizado, que provocam em nós um frêmito artístico tão forte quanto um romance como Mansfield Park faz ou quanto qualquer fluxo rico de imagens sensuais de Dickens. Parece para mim que uma boa fórmula para testar a qualidade de um romance é, num prazo longo, uma fusão da precisão da poesia e da intuição da ciência. A fim de mergulhar nessa magia, um leitor sábio lê o livro de gênio não com o coração, nem tampouco com o cérebro, mas com a sua coluna vertebral. É aí que ocorre o formigamento revelador, embora devamos nos manter um pouco distantes, um pouco destacados durante a leitura. Em seguida, com um prazer que é ao mesmo tempo sensual e intelectual vamos ver o artista construir o seu castelo de cartas e assistir sua transformação em um castelo do mais belo aço e vidro.
Um escritor importante combina esses três - contador de história, professor, encantador - mas é o encantador nele que deve predominar, fazendo dele um escritor importante. |
Excelente o texto. Amplia e muito os conceitos de literatura, escritor e leitor. Li tudo e sinto que fiquei com muito material para reflexão e releituras, e motivada a enfrentar minha dificuldade com "Mansfield Park". Conseguirei ler o livro, gostar, inventar, criar? A ver.
ResponderExcluirMuito bom o texto, revelador. Muito material para reflexão, e motivos para fazer releituras. Vou enfrentar "Mansfield Park", ver se consigo ler buscando a precisão da poesia e a intuição da ciência.
ResponderExcluirOlá, Ruth. Estou agora traduzindo/adaptando a aula de Nabokov sobre Mansfield Park. Vem aí mais material que espero ajude a "enfrentar" o romance e a apreciar os feitos de Miss Austen!
ResponderExcluirBom, muito bom.
ExcluirFora isso, fica-se com vontade de conhecer mais a obra de Nabokov.
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