5 de abril de 2011

Reflexões sobre poesia e ética 2

Konstantinos Kaváfis
Um dos talentos dos grandes estilistas é fazer com que, pelo seu modo de empregá-las, palavras obsoletas deixem de parecer obsoletas. Elas ocorrem com a maior naturalidade nos textos deles, ao passo que nos de outros parecem afetadas ou fora de lugar. Isso se deve ao tato & discernimento de tais escritores, que sabem quando - & somente quando - o termo em desuso ode ser empregado & revelar-se artisticamente agradável ou linguisticamente necessário; & então ele só é obsoleto no nome. Trouxeram-no de volta à vida as naturais exigências de um estilo vigoroso ou sutil. Não é um cadáver desenterrado (como no caso de escritores menos capazes) mas um belo corpo despertado de um sono longo & reparador.
Joan Brossa, Cap de Bou, 1969.
RUÍNA
Um monge descabelado me disse no caminho: “Eu queria construir uma ruína. Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução. Minha idéia era de fazer alguma coisa ao jeito de tapera. Alguma coisa que servisse para abrigar o abandono, como as taperas abrigam. Porque o abandono pode não ser apenas de um homem debaixo da ponte, mas pode ser também de um gato no beco ou de uma criança presa num cubículo. O abandono pode ser também de uma expressão que tenha entrado para o arcaico ou mesmo de uma palavra. Uma palavra que esteja sem ninguém dentro. (O olho do monge estava perto de ser um canto.) Continuou: digamos a palavra AMOR. A palavra amor está quase vazia. Não tem gente dentro dela. Queria construir uma ruína para a palavra amor. Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio pode nascer de um monturo”. E o monge se calou descabelado.
Manoel de Barros 

***
A POESIA FALA SOBRE O QUE FALTA E EXISTE

O torso arcaico de Apolo
Rainer Maria Rilke / Tradução de Manuel Bandeira
 
Não sabemos como era a cabeça, que falta,
de pupilas amadurecidas. Porém
o torso arde ainda como um candelabro e tem,
só que meio apagada, a luz do olhar, que salta

e brilha. Se não fosse assim, a curva rara
do peito não deslumbraria, nem achar
caminho poderia um sorriso e baixar
da anca suave ao centro onde o sexo se alteara.

Não fosse assim, seria essa estátua uma mera
pedra, um desfigurado mármore, e nem já
resplandecera mais como pele de fera.

Seus limites não transporia desmedida
como uma estrela; pois ali ponto não há
que não te mire. Força é mudares de vida. 

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