Bia Albernaz
Emprestaram-me a 16a. edição (mesma capa) |
A antiga curiosidade reacendeu-se com a notícia: o livro iria ser republicado pela "Companhia das Letras". Queria lê-lo. Iria estudá-lo. Sim, o picaresco etc. Mas não era isso. O que procurava, e reencontrei, neste livro, era uma cidade, uma memória de Campos. Ávida, pulei linhas à procura do lobisomem. Quem é? Talvez seja ele, o coronel. Afinal, nem seu pai nem sua mãe aparecem na narrativa que, diga-se, é boa, mas um pouco prolixa para o meu gosto. Ser caudaloso não é fácil. Mas eis um dos méritos do autor: muitos nomes, muitos personagens, uma galeria de tipos (no final, há um glossário com uma pequena descrição, usando trechos extraídos do livro). O nome "Poço Gordo", propriedade da família há tempos atrás, aparece uma vez. A citação de um lugar conhecido, familiar, atiça ainda mais a minha curiosidade. E ele vai casar ou não esse danado? O coronel é um praticante do sexo com profissionais. Amadas e amantes não se confundiam naqueles tempos, naqueles ermos. Em Campos, há menção a um certo cabaré "Moulin Rouge" e a um teatro de vedetes que eu nunca tinha ouvido falar. Mas Campos é infância pra mim. Tenra infância de muita conversa com jardineiro, de dança com cozinheira, de tardes no balanço com Abigail, sobrinha de Isa, do clã das formiguinhas ou o da Mulata? Mas nada disso interessa agora. Quanto à lobisomem, memória e história coincidem: esse sempre era um assunto. Viu não viu? Existe ou não? Ao lado disso, corriam soltas as práticas paramilitaristas, agregadorísticas, paternalizantes.
Tudo isso é Campos. E João, Cândido, por entre essa floresta, reporta. Reparte as histórias desse tempo que a gente sabe, não passou. Ávida, procurei cenas de alcova, de pensamento das mulheres (elas pensam?). No livro, elas são pensadas. A impressão que se tem é que as mais importantes são vacas. Coisas das circunstâncias. Campos resistiu o mais que pôde para manter os escravos em seu lugar. Chegava a tratá-los como se da família fossem. Desculpem, a curiosidade, quando morta, dana a proclamar ideias. Disso, o livro não padece. A história, as peripécias do Coronel Ponciano são contadas sem interferência maior do autor, que lhe quer dar a voz, carta branca para dizer as besteiras que quiser, para se sentir em casa. No final, a gente fica amigo desse louco que se humaniza à medida que é varrido pelas autoridades. Ele então se aproxima de homens e mulheres coadjuvantes na história, à exceção de Francisquinha, espécie de mãe preta que, sempre muito presente, aos poucos se dissolve e se funde ao horizonte daquela terra. Amiga do Coronel, não diria que fiquei. Mas é verdade que a gente passa a sentir vaga simpatia por ele, e não mais curiosidade.
Fecha-se o livro com uma noção sobre o picaresco e também sobre os riscos do regionalismo. Ficaram também dançando em minha memória uma leva de personagens fictícios-reais, uma onda de sentimentos de lonjura e de proximidade que aprecio e agradeço ao autor e também a quem me deu a notícia da republicação do livro, emprestando-me um exemplar da antiga edição, pela José Olympio, com um prefácio gráfico, esse sim, simpaticíssimo.
Desenhos de Appe, do Prefácio gráfico (16a. edição do livro) |