29 de agosto de 2011

Voz narrativa

Trechos de Os segredos da ficção de Raimundo Carrero
          O narrador não é o autor. O personagem ocupa o lugar do narrador.
          Para chegar ao personagem, o autor precisa conhecer a própria voz, a voz  de narrador, a voz narrativa.
          Erramos quase sempre porque não respeitamos a nossa voz narrativa, não amamos o nosso timbre, queremos imitar a tradição. Não conhecemos as nossas particularidades. Os outros escrevem muito bem, dizem. Só os outros. Não acreditamos na nossa capacidade. Complexo de inferioridade nunca ajudou ninguém. Agora é esquecer. Temos algo a revelar.
          A descoberta da voz narrativa impressiona e inquieta. Um processo doloroso, embora saudável. Em geral ela não se parece com nada, com ninguém, estúpida. Não segue os métodos de narração convencional. Não é descrição. Não é redação. Nada é nada. Não importa, isso mesmo – não importa. As palavras batem umas nas outras, fazem barulhos, confundem. Percebe-se depois, e com a paciência que conduz à luz: ali está nascendo um escritor.
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No momento em que ouvi a minha própria voz, fiquei encantado: o fato de ser uma voz isolada, distinta, única, me deu alento. Não Não me importava se o que eu escrevia pudesse ser considerado ruim. Bom ou ruim saíram do meu vocabulário. Pulei com os dois pés no reino da est઼ética. Minha vida em si se tornou uma obra de arte.
Henry Miller, A sabedoria do coração
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 Em geral, o que nos impede de descobrir essa voz é a descrença. Por algum motivo esquisito, nós, escritores, professores, leitores, gostamos de desanimar os iniciantes, os novatos, os indecisos. Dizemos: Não faça isso, você não sabe fazer. Não é a sua praia. Você não tem jeito. Esqueça. Deixe para os que sabem. E os que sabem, começaram de que maneira? Refletindo, lendo e escrevendo.

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