Ruth Lifschits
Daniel precisava de grana. Tinha namorada, queria fazer programas e se divertir. Mas, sem dinheiro? Tentara entrar para a Marinha, sonho de criança. Se via na Banda dos Fuzileiros Navais, tocando seu sax-tenor dourado que a patroa da mãe lhe dera há cerca de quatro anos. Mas, não conseguira ser convocado e já passara da idade para tentar exames ou concursos para qualquer carreira militar. Tinha ouvido falar de músicos que tocavam no metro ou em esquinas do Centro ganhando algum trocado dos passantes. Só que ele não tinha para as passagens. Sua mãe gastava oito reais por dia de condução indo e vindo do trabalho. Muito dinheiro! Onde morava não havia público para esse tipo de ganha-pão. Continuaria tocando na banda da Igreja, de graça e acompanhando o grupo nas viagens que o Pastor organizava. Era um bom jeito de praticar. O grupo já tinha até gravado um CD que o Pastor vendia por onde fosse. Por mais CDs que vendesse, continuava dizendo que não havia lucro, só o suficiente para cobrir as despesas e gastos com a gravação.
“Estou com 20 anos, a banda militar já era. Tenho que trabalhar”.
E assim o jovem se atormentava nas horas vagas de seus dias, que eram muitas. Com segundo grau completo e cursinhos de computação no SENAC, tinha espalhado currículo por diversos lugares e nada. Já fizera bicos na padaria do bairro e aprendera a fazer pão. Sabia muito sobre encanamentos, conhecia um pouco de marcenaria e não se considerava um mau pedreiro pois desde garoto se metia a ajudar nas construções e reparos das casas do bairro. Bem que tentara fazer parte de uma equipe disposto a enfrentar um canteiro de obras mas não conseguira. Sua mãe era diarista numa casa de família na Zona Sul do Rio, há mais de trinta anos. A irmã, um ano mais velha que ele, ficava em casa tomando conta do irmão de onze anos. Ele não queria essa vida, preso a uma casa, sob o controle da mãe. Ela era fogo, de olho neles, com medo de tudo e de todos. Para ela, na vizinhança só havia bandidos e toda sorte de más tentações. Nada de bom poderia surgir em Jardim Primavera, na Baixada Fluminense.
Seu Alípio, que Daniel via sempre na esquina da Igreja, era um senhor simpático e falante que vendia cachorro-quente aos gritos de “cachorro bom é quente, não deixe esfriar”. O velho fazia ponto naquele local há anos. Daniel gostava de conversar com ele, falar de futebol. Os dois eram Vascaínos doentes. Seu Alípio gostava do rapaz, às vezes até lhe dava sanduíches quando havia alguma sobra em dias de vendas baixas. E, num desses encontros, ele disse que queria vender a carrocinha e parar de trabalhar. Por mil e quinhentos reais, o comprador levava a carrocinha com tudo dentro e o ponto estratégico: perto da Igreja e único caminho para a estação de trem.
“Pô, isso não é muito. Minha velha pode conseguir com a patroa dela. Eu pago depois”, logo pensou Daniel.
Foi para casa planejando e armando o bote. “Tenho que descobrir quanto ele faz por dia, quanto gasta. Tem muita coisa pra eu aprender.”
E voltou lá no dia seguinte, e em vários que se seguiram, só assuntando, como dizia a sua falecida avó. E conversou com Nando, amigo seu da banda de música da Igreja. Nando era flautista e desenhista. Era um grafiteiro de mão cheia.
Passados vários dias, era hora de levar o assunto até sua mãe. Postou-se na entrada da subida do barranco, atado ao portãozinho esperando a mãe voltar. Não conseguia despregar os olhos do caminho e nem sair daquele lugar. Quando a mãe apontou no final da rua, ele correu até ela. E botou pra fora todos os planos, as contas que tinha feito, tudo. Em dois meses poderia pagar o empréstimo – desde que não tirasse nada, nem um centavo. Na verdade, ele precisaria de mais do que mil e quinhentos pois tinha que comprar todo o material para os sanduíches e mais o gás que não poderia faltar, pelo menos para a primeira semana. O que apurasse supriria as necessidades da semana seguinte e assim por diante. A carrocinha precisava ser pintada, não só para apagar os traços do seu passado, mas para que ela ficasse tinindo de nova e com a marca do novo dono. A logomarca. Nando faria o desenho para ele – já tinham bolado tudo juntos. Ele sabia tudo de letras e cores fortes que atrairiam o público.
“E onde tu vai arrumar essa dinheirama toda?”
Ao ouvir a resposta do rapaz, a mãe foi logo dizendo que não, que não tinha cara para pedir mais nada à dona Fábia. Não disse a ele que já devia quase dez mil - como iria pedir mais?
Daniel não desistiu, aumentou a pressão. E durante o fim de semana os planos cresceram. Ele, muito entusiasmado e confiante viu a mãe menos resistente até que ela começou a entrar na dele, a sonhar e imaginar tudo dando certo: ela saldando suas dívidas, ajudando o filho na empreitada, participando de tudo.
“Posso fazer o molho e te ajudar nos dias em que não for trabalhar, aí a gente vende mais”, e tudo virou certeza.
Daniel contou que seu Alípio gastava um bujão de gás por mês, trabalhando seis dias por semana. Em dias bons, geralmente os primeiros de cada mês, quando as pessoas tinham recebido seus salários, vendia até cem sanduíches. Em dias comuns, vendia de vinte e cinco a quarenta sanduíches a dois reais e cinqüenta centavos cada. O melhor horário era depois das cinco da tarde, quando as pessoas voltavam do trabalho, com as diárias no bolso e sem jantar esperando em casa. Nada de vender fiado, foi o primeiro conselho dado, e muito cuidado com vazamento de gás e panela no fogo por muitas horas, gastando gás a toa. Primeiro se aquece a panela grande com o molho e depois ela vai para uma caixa de isopor e se mantém morna. Daí, é só ir tirando quantidades menores para usar na hora das vendas. Economiza-se muito gás com esse procedimento. Teria que começar com uns cinquenta pães careca, três quilos de molho feito com bastante tomate picado, cebola, alho, pimentão e óleo, uns cem saquinhos de papel, o mesmo tanto de guardanapos de papel e um pacote de luvas descartáveis. E o uniforme: jaleco branco e gorro.
Foi dureza convencer a patroa. Ela não queria saber de empréstimos e pagamentos a perder de vista, ainda mais com dívidas pendentes. Mas, acabou cedendo pois queria ver o rapaz independente, ajudando a mãe e livrando-a desse peso. Fez mil perguntas, se era seguro, se o rapaz teria coragem de ficar na rua exposto a todos, com dinheiro das vendas e correndo riscos. Disse que queria ver uma foto da carrocinha.
“Muito cuidado, isso pode atrair assaltantes, é perigoso”, finalizou a patroa.
A mãe de Daniel garantiu que era seguro, que o dono do ponto e nunca tinha tido problemas. Voltou para casa com a tarefa de combinar com o velho o pagamento em duas vezes pois a patroa não queria soltar a grana toda de uma vez.
De noite foram falar com seu Alípio, que insistiu em receber o pagamento à vista. Acabou aceitando fechar o negócio por mil reais, incluindo, além do bujão de gás e as panelas, o restante de material que ele ainda tinha estocado – guardanapos, pratinhos e algumas latas de pasta de tomate que usava para fazer o molho.
“Ih seu Alípio, vamos fazer molho de tomate de verdade, minha mãe é craque nisso.”
Enfim, conseguiram o dinheiro, compraram a carrocinha com tudo dentro e partiram para as reformas. Em uma semana, ela foi lavada, lixada e pintada de amarelo mostarda. Em cada lateral, o grafiteiro pintou um grande cachorro-quente, com patinhas, rabinho e uma cara de olhos vivos e um sorriso alegre e convidativo. Em letras garrafais pintou “Dogs do Dan”.
A foto foi feita, com a câmera do celular da namorada de Daniel e a patroa viu o rapaz de jaleco e gorro, um enorme sorriso branco na cara negra, e a carrocinha pintada, encimada por toldo de lona listada de vermelho e amarelo, e a marca “Dogs do Dan” em vermelho, saltando do fundo amarelo mostarda. Tudo muito bem feito e bastante chamativo.
Passados alguns dias, a patroa perguntou como iam os negócios. Tudo caminhando, mas as vendas ainda estavam lentas, a coisa não tinha pegado.
“É assim mesmo, demora para engrenar”.
E passaram-se mais dias. A empregada não tocou mais no assunto, nem a patroa perguntou mais. Até que um dia, Fábia se deu conta de que já deveria ter recebido pelo menos parte do empréstimo e resolveu conversar com sua empregada.
“Ah, desistimos do negócio. O Daniel está tentando vender a carrocinha, mas tá difícil.”
“E desistiram por quê? Mal deu tempo de investirem. Essas coisas exigem muito trabalho, não são um sucesso logo de cara, tem que ralar.”
A mãe de Daniel estava sem jeito, mas terminou abrindo o jogo. Depois de duas semanas de atividade na esquina, apareceu um fortão mal encarado dizendo que o rapaz tinha que pagar pelo ponto. E enquanto ele falava, deixava aparecer a coronha de uma arma, meio escondida na cintura, por baixo da camisa. O cara queria que quase tudo que fosse apurado passasse para as mãos dele, semanalmente e foi-se embora calmamente deixando o rapaz atônito.
Daniel foi direto pro seu Alípio. Queria saber se ele tinha tido que pagar para trabalhar naquele ponto. Ele afirmou que não, de jeito nenhum e disse que o rapaz se virasse que ele não tinha nada com isso. Daniel insistiu, pedindo ajuda e o velho acabou confessando que o mal encarado era genro dele, um tipo perigoso, mas que ele iria dar um jeito na situação.
Daniel trabalhou mais uma semana e o cara apareceu para receber. O rapaz conseguiu se safar, disse que estava começando, que investira tudo em salsichas, pão, os ingredientes para o molho e que as vendas estavam melhorando.
Mas o homem passou a ficar à espreita na esquina em frente e voltou à carga, ameaçando o rapaz, dizendo que a irmã dele era bem jeitosinha e a mãe dele não era de se jogar fora. Ele sabia o nome de todos, os horários de ir e vir, tudo.
Daniel viu que ia acabar trabalhando para dar tudo a ele. Ficou desesperado. Enfiou-se uma semana em casa para ver se o cara desistia, sumia.
Resolveu voltar ao ponto com sua carrocinha e o cara apareceu na hora do almoço. Quando ele se aproximou, Daniel perdeu a calma e começou a gesticular e gritar, atraindo com isso muita gente. O homem ficou quieto, como se não fosse com ele a gritaria e confusão. Daniel finalmente tirou o jaleco e o gorro, jogou no chão e afastou-se dizendo,
“Fique com a carrocinha. Faça o que quiser com ela”, e deixou todos os seus sonhos para trás.
De noite, o Pastor apareceu na casa do rapaz e disse que a carrocinha estava no pátio da Igreja. O genro do Sr. Alípio tinha levado tudo para lá e pedido a ele para dar um recado: se Daniel aparecesse na esquina com a carrocinha levaria chumbo no meio da cara.
“Eu perguntei se era seguro, te falei dos riscos. E agora?”
“Pois é, dona Fábia, nós vamos lhe pagar. O Dan tá se virando. Ele vai vender tudo e dar o dinheiro pra senhora.”
Só que ele não conseguiu vender a carrocinha, que ficou pra Igreja. O Pastor mudou a marca para “Dogs do Senhor” e passou a usá-la nos fins de semana e nos dias de festas, apurando uma boa grana depois dos cultos dos domingos ou a cada vez que havia um evento musical.
E o Daniel? Um dia foi cercado na virada de uma esquina e levou uma surra daquelas que deixam a pessoa sem poder fazer nada por vários dias.
“Estou com 20 anos, a banda militar já era. Tenho que trabalhar”.
E assim o jovem se atormentava nas horas vagas de seus dias, que eram muitas. Com segundo grau completo e cursinhos de computação no SENAC, tinha espalhado currículo por diversos lugares e nada. Já fizera bicos na padaria do bairro e aprendera a fazer pão. Sabia muito sobre encanamentos, conhecia um pouco de marcenaria e não se considerava um mau pedreiro pois desde garoto se metia a ajudar nas construções e reparos das casas do bairro. Bem que tentara fazer parte de uma equipe disposto a enfrentar um canteiro de obras mas não conseguira. Sua mãe era diarista numa casa de família na Zona Sul do Rio, há mais de trinta anos. A irmã, um ano mais velha que ele, ficava em casa tomando conta do irmão de onze anos. Ele não queria essa vida, preso a uma casa, sob o controle da mãe. Ela era fogo, de olho neles, com medo de tudo e de todos. Para ela, na vizinhança só havia bandidos e toda sorte de más tentações. Nada de bom poderia surgir em Jardim Primavera, na Baixada Fluminense.
Seu Alípio, que Daniel via sempre na esquina da Igreja, era um senhor simpático e falante que vendia cachorro-quente aos gritos de “cachorro bom é quente, não deixe esfriar”. O velho fazia ponto naquele local há anos. Daniel gostava de conversar com ele, falar de futebol. Os dois eram Vascaínos doentes. Seu Alípio gostava do rapaz, às vezes até lhe dava sanduíches quando havia alguma sobra em dias de vendas baixas. E, num desses encontros, ele disse que queria vender a carrocinha e parar de trabalhar. Por mil e quinhentos reais, o comprador levava a carrocinha com tudo dentro e o ponto estratégico: perto da Igreja e único caminho para a estação de trem.
“Pô, isso não é muito. Minha velha pode conseguir com a patroa dela. Eu pago depois”, logo pensou Daniel.
Foi para casa planejando e armando o bote. “Tenho que descobrir quanto ele faz por dia, quanto gasta. Tem muita coisa pra eu aprender.”
E voltou lá no dia seguinte, e em vários que se seguiram, só assuntando, como dizia a sua falecida avó. E conversou com Nando, amigo seu da banda de música da Igreja. Nando era flautista e desenhista. Era um grafiteiro de mão cheia.
Passados vários dias, era hora de levar o assunto até sua mãe. Postou-se na entrada da subida do barranco, atado ao portãozinho esperando a mãe voltar. Não conseguia despregar os olhos do caminho e nem sair daquele lugar. Quando a mãe apontou no final da rua, ele correu até ela. E botou pra fora todos os planos, as contas que tinha feito, tudo. Em dois meses poderia pagar o empréstimo – desde que não tirasse nada, nem um centavo. Na verdade, ele precisaria de mais do que mil e quinhentos pois tinha que comprar todo o material para os sanduíches e mais o gás que não poderia faltar, pelo menos para a primeira semana. O que apurasse supriria as necessidades da semana seguinte e assim por diante. A carrocinha precisava ser pintada, não só para apagar os traços do seu passado, mas para que ela ficasse tinindo de nova e com a marca do novo dono. A logomarca. Nando faria o desenho para ele – já tinham bolado tudo juntos. Ele sabia tudo de letras e cores fortes que atrairiam o público.
“E onde tu vai arrumar essa dinheirama toda?”
Ao ouvir a resposta do rapaz, a mãe foi logo dizendo que não, que não tinha cara para pedir mais nada à dona Fábia. Não disse a ele que já devia quase dez mil - como iria pedir mais?
Daniel não desistiu, aumentou a pressão. E durante o fim de semana os planos cresceram. Ele, muito entusiasmado e confiante viu a mãe menos resistente até que ela começou a entrar na dele, a sonhar e imaginar tudo dando certo: ela saldando suas dívidas, ajudando o filho na empreitada, participando de tudo.
“Posso fazer o molho e te ajudar nos dias em que não for trabalhar, aí a gente vende mais”, e tudo virou certeza.
Daniel contou que seu Alípio gastava um bujão de gás por mês, trabalhando seis dias por semana. Em dias bons, geralmente os primeiros de cada mês, quando as pessoas tinham recebido seus salários, vendia até cem sanduíches. Em dias comuns, vendia de vinte e cinco a quarenta sanduíches a dois reais e cinqüenta centavos cada. O melhor horário era depois das cinco da tarde, quando as pessoas voltavam do trabalho, com as diárias no bolso e sem jantar esperando em casa. Nada de vender fiado, foi o primeiro conselho dado, e muito cuidado com vazamento de gás e panela no fogo por muitas horas, gastando gás a toa. Primeiro se aquece a panela grande com o molho e depois ela vai para uma caixa de isopor e se mantém morna. Daí, é só ir tirando quantidades menores para usar na hora das vendas. Economiza-se muito gás com esse procedimento. Teria que começar com uns cinquenta pães careca, três quilos de molho feito com bastante tomate picado, cebola, alho, pimentão e óleo, uns cem saquinhos de papel, o mesmo tanto de guardanapos de papel e um pacote de luvas descartáveis. E o uniforme: jaleco branco e gorro.
Foi dureza convencer a patroa. Ela não queria saber de empréstimos e pagamentos a perder de vista, ainda mais com dívidas pendentes. Mas, acabou cedendo pois queria ver o rapaz independente, ajudando a mãe e livrando-a desse peso. Fez mil perguntas, se era seguro, se o rapaz teria coragem de ficar na rua exposto a todos, com dinheiro das vendas e correndo riscos. Disse que queria ver uma foto da carrocinha.
“Muito cuidado, isso pode atrair assaltantes, é perigoso”, finalizou a patroa.
A mãe de Daniel garantiu que era seguro, que o dono do ponto e nunca tinha tido problemas. Voltou para casa com a tarefa de combinar com o velho o pagamento em duas vezes pois a patroa não queria soltar a grana toda de uma vez.
De noite foram falar com seu Alípio, que insistiu em receber o pagamento à vista. Acabou aceitando fechar o negócio por mil reais, incluindo, além do bujão de gás e as panelas, o restante de material que ele ainda tinha estocado – guardanapos, pratinhos e algumas latas de pasta de tomate que usava para fazer o molho.
“Ih seu Alípio, vamos fazer molho de tomate de verdade, minha mãe é craque nisso.”
Enfim, conseguiram o dinheiro, compraram a carrocinha com tudo dentro e partiram para as reformas. Em uma semana, ela foi lavada, lixada e pintada de amarelo mostarda. Em cada lateral, o grafiteiro pintou um grande cachorro-quente, com patinhas, rabinho e uma cara de olhos vivos e um sorriso alegre e convidativo. Em letras garrafais pintou “Dogs do Dan”.
A foto foi feita, com a câmera do celular da namorada de Daniel e a patroa viu o rapaz de jaleco e gorro, um enorme sorriso branco na cara negra, e a carrocinha pintada, encimada por toldo de lona listada de vermelho e amarelo, e a marca “Dogs do Dan” em vermelho, saltando do fundo amarelo mostarda. Tudo muito bem feito e bastante chamativo.
Passados alguns dias, a patroa perguntou como iam os negócios. Tudo caminhando, mas as vendas ainda estavam lentas, a coisa não tinha pegado.
“É assim mesmo, demora para engrenar”.
E passaram-se mais dias. A empregada não tocou mais no assunto, nem a patroa perguntou mais. Até que um dia, Fábia se deu conta de que já deveria ter recebido pelo menos parte do empréstimo e resolveu conversar com sua empregada.
“Ah, desistimos do negócio. O Daniel está tentando vender a carrocinha, mas tá difícil.”
“E desistiram por quê? Mal deu tempo de investirem. Essas coisas exigem muito trabalho, não são um sucesso logo de cara, tem que ralar.”
A mãe de Daniel estava sem jeito, mas terminou abrindo o jogo. Depois de duas semanas de atividade na esquina, apareceu um fortão mal encarado dizendo que o rapaz tinha que pagar pelo ponto. E enquanto ele falava, deixava aparecer a coronha de uma arma, meio escondida na cintura, por baixo da camisa. O cara queria que quase tudo que fosse apurado passasse para as mãos dele, semanalmente e foi-se embora calmamente deixando o rapaz atônito.
Daniel foi direto pro seu Alípio. Queria saber se ele tinha tido que pagar para trabalhar naquele ponto. Ele afirmou que não, de jeito nenhum e disse que o rapaz se virasse que ele não tinha nada com isso. Daniel insistiu, pedindo ajuda e o velho acabou confessando que o mal encarado era genro dele, um tipo perigoso, mas que ele iria dar um jeito na situação.
Daniel trabalhou mais uma semana e o cara apareceu para receber. O rapaz conseguiu se safar, disse que estava começando, que investira tudo em salsichas, pão, os ingredientes para o molho e que as vendas estavam melhorando.
Mas o homem passou a ficar à espreita na esquina em frente e voltou à carga, ameaçando o rapaz, dizendo que a irmã dele era bem jeitosinha e a mãe dele não era de se jogar fora. Ele sabia o nome de todos, os horários de ir e vir, tudo.
Daniel viu que ia acabar trabalhando para dar tudo a ele. Ficou desesperado. Enfiou-se uma semana em casa para ver se o cara desistia, sumia.
Resolveu voltar ao ponto com sua carrocinha e o cara apareceu na hora do almoço. Quando ele se aproximou, Daniel perdeu a calma e começou a gesticular e gritar, atraindo com isso muita gente. O homem ficou quieto, como se não fosse com ele a gritaria e confusão. Daniel finalmente tirou o jaleco e o gorro, jogou no chão e afastou-se dizendo,
“Fique com a carrocinha. Faça o que quiser com ela”, e deixou todos os seus sonhos para trás.
De noite, o Pastor apareceu na casa do rapaz e disse que a carrocinha estava no pátio da Igreja. O genro do Sr. Alípio tinha levado tudo para lá e pedido a ele para dar um recado: se Daniel aparecesse na esquina com a carrocinha levaria chumbo no meio da cara.
“Eu perguntei se era seguro, te falei dos riscos. E agora?”
“Pois é, dona Fábia, nós vamos lhe pagar. O Dan tá se virando. Ele vai vender tudo e dar o dinheiro pra senhora.”
Só que ele não conseguiu vender a carrocinha, que ficou pra Igreja. O Pastor mudou a marca para “Dogs do Senhor” e passou a usá-la nos fins de semana e nos dias de festas, apurando uma boa grana depois dos cultos dos domingos ou a cada vez que havia um evento musical.
E o Daniel? Um dia foi cercado na virada de uma esquina e levou uma surra daquelas que deixam a pessoa sem poder fazer nada por vários dias.
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