eu tinha um velho tormento
eu tinha um sorriso triste
eu tinha um pressentimento
tu tinhas os olhos puros
os teus olhos rasos de água
como dois mundos futuros
entre parada e parada
havia um cão de permeio
no meio ficava a estrada
depois tudo se abarcou
fomos iguais um momento
esse momento parou
ainda existe a extensa praia
e a grande casa amarela
aonde a rua desmaia
estão ainda a noite e o ar
da mesma maneira aquela
com que te viam passar
e os carreiros sem fundo
azul e branca janela
onde pusemos o mundo
o cão atesta esta história
sentado no meio da estrada
mas de nós nào há memória
dos lados não ficou nada
Só a imaginação transforma. Só a imaginação transforma. É imaginação o livre exercício do espírito que servindo-se de um ou mais aspectos do "real" passa lenta ou rapidamente ao extremo limite deste para alcançar, pouco importa em que margens, o objecto real de um irreal conquistado no espírito. Acelerar este processo levando-o a um ponto em que se torne impossível falar de real e irreal (negação da negação anterior), produzir um objecto onde tudo, simultaneamente, tem as propriedades da verdade e do erro, da razão e da loucura, do que foi encontrado e do que foi perdido, é transformar a realidade depois de a haver transtornado - é fixar, violentando a realidade "presente", um novo real poético (uno). Esse real poético dá-o o surrealismo, reunindo, até hoje insuperavelmente, Apolo e Dionisos, Vênus Urânia e Vênus Anadiômena, Ocultismo e Magia.
***
mágica
É uma estrada no céu silenciosa
um anão sem ninguém que o suspeite
é um braço pregado a uma rosa
um mamilo escorrendo leite
São edênicos anjos expulsos
sonhando quietude e distância
são homens marcados nos pulsos
é uma secreta elegância
São velhos demônios ociosos
fitando o céu bailando ao vento
são gritos rápidos, nervosos
que destróem todo o pensamento
É o frio deserto marinho
operando na escuridão
é o corpo que geme sozinho
é a veia que é coração
São aranhas jovens, pernaltas
arrastando embrulhos para o mar
são altas colunas tão altas
que o chão ameaça estalar
São espadas voantes são vielas
passeios de todos e nenhuns
são grandes rectas paralelas
são grandes silêncios comuns
É uma edição reduzida
das aras da história sagrada
é a técnica mais proibida
da mágica mais procurada
É uma estrada no céu silenciosa
por um domingo extenso e plácido
é um anoitecer cor-de-rosa
um ar inocente, ácido