Maria Tereza Albernaz
Eram dois jacarés grandes e dois menores. Em fila indiana, corpos
esverdeados, desciam um morro lamacento. Embaixo, no mesmo morro, eu tentava subir.
Apressada, fugia de um perigo maior. Escorregava, levantava, mas prosseguia,
com os olhos fixos e atemorizados em direção aos jacarés. Acordei angustiada.
Gravura da série "Cotidiano" de Wilma Martins |
Pela manhã, a
lembrança de outros pedaços de sonhos que agitaram a minha noite foi logo
dissipada, mas não esqueci os bichos rastejantes e a sensação assustadora da
ameaça.
Esta cena com bichos e eu tomada pelo medo me fez lembrar um
episódio ocorrido no tempo em que, menina de sete, oito anos, morava no interior,
em uma casa grande, cercada de jardim, pomar e quintal. Galinhas, patos, perus
andavam soltos pelo terreno e porcos, presos em baias nos chiqueiros,
precariamente trancados, muitas vezes escapuliam para passear. Eu convivia e
transitava entre os animais domésticos sempre que brincava ao ar livre ou
corria para pegar frutas.
Por mais
incomum que pudesse parecer, não existia animal de estimação na minha família.
Tantas crianças e nenhum cachorro ou gato, nem mesmo um filhote. Talvez, por
poucos dias, um porquinho da índia ou um pintinho, logo afastados de seu dono. Meus
pais não gostavam de bichos em casa.
Passamos a ter um animal quando um
amigo de meu pai deu de presente para meu único irmão um cavalo e para nós,
meninas, uma charrete puxada por uma mula. Não me recordo se escolhemos ou se
os animais já vieram com seus nomes – Russinho e Margarida. São os únicos nomes
de bichos que vêm de minha infância.
Margarida tinha sua graça e gostávamos
dela, mas nenhuma das meninas se apegou à mula. Não demorou muito e deixei meu
lugar na charrete para as irmãs menores. Também já queria montar um cavalo. Mas
eu não escolhia nada, o cavalo já chegava para mim selado e pronto para sair. Vários
me serviram de montaria nestes tempos. Não gravei nenhum deles em especial,
muito menos qualquer nome.
Por conta do sonho angustiante dos
jacarés, me lembrei de um episódio inesquecível passado na infância. Em uma
manhã, com minha irmã mais próxima de idade, me
afastei um pouco da casa pelo quintal dos fundos, não sei para onde, nem
porquê. Esse tipo de saída, quando estávamos sozinhas, não era permitida e
andávamos com cautela e contido entusiasmo. Porém, não fomos longe. Me recordo
com nitidez de nós duas correndo desesperadamente
de volta, perseguidas por um cachorro que latia alto. Não esqueço do vira-lata branco
com manchas pretas, de uma sandália caída no caminho e dos vestidos levantados
pela correria. Que susto. Que medo de ser apanhada por aquele cachorro.
Ilustração de Rui de Oliveira para "Chapeuzinho vermelho" de Charles Perrault |
Hoje não tenho preferência, nem sou
atraída por animal nenhum. E mais, sinto desconforto com a proximidade de
qualquer bicho.
Ilustração de Poty para "Sagarana" de Guimarães Rosa |