AUDEN, W. H. Pistas
para uma autópsia da narrativa policial (trechos)
In: MATRAGA, n. 4-5.
Rio de Janeiro: UERJ/IL, 1988. Quadrimestral.*
Foto colhida do blog Clube de Leitores em uma postagem sobre os escritores e seus gatos |
[A vítima] deve tentar
satisfazer a duas exigências contraditórias. Deve suportar a suspeita de todos
– o que implica ser ela uma personalidade negativa; e deve obrigar todos a se
sentirem culpados – o que exige ser ela antes uma personalidade positiva.
Quanto mais geral for a tentação de crime que ela suscita, melhor será; por
exemplo, o desejo de liberdade é um motivo melhor que o dinheiro ou o sexo
sozinhos.
[Aqueles que assumem o papel de vítimas] devem ser culpados de qualquer coisa, pois agora que o estético e o
ético estão em oposição, se são totalmente inocentes (obedecendo à ética),
perdem seu interesse estético, e o leitor não lhe prestará mais atenção (...) o
crime é o ato de deslocamento pelo qual a inocência se perde, e o indivíduo e a
lei chegam a opor-se um à outra.
Com relação ao meio, Auden diz que:
(...) A
narrativa policial exige uma sociedade fechada (...) que deve parecer inocente
e se encontrar num estado de graça, isto é, uma sociedade em que não há
necessidade de lei, em que não existe contradição entre o individual estético e
o universo ético, e em que, por conseqüência, o crime é um ato desconhecido que
precipita uma crise (pois revela que um membro caiu e não se encontra em estado
de graça). A lei torna-se realidade e, por um momento, todos devem viver sob
sua sombra, até que o indivíduo caído seja identificado. Com sua prisão, a
inocência é restaurada, e a lei se retira para sempre.
O assassino é uma criação negativa, e
todo assassino é então um rebelde que afirma o direito a todo poder. Seu
patético reside em sua recusa a sofrer. O problema do escritor consiste em
esconder o orgulho demoníaco do assassino aos outros personagens e ao leitor
(...). Surpreender o leitor, quando a identidade do criminoso é revelada,
convencendo-o de que tudo o que lhe foi contado antes sobre o assassino é
coerente com este fato, constitui a pedra de toque da boa história policial.
O detetive,
segundo as definições audenianas, seria aquele cuja tarefa:
(...)
consiste em restaurar o estado de graça no qual o estético e o ético
formavam apenas uma unidade. Como o assassino que causou a separação é o indivíduo
esteticamente provocante, seu adversário, o detetive, deve ser ou o
representante oficial do ético, ou um indivíduo excepcional que se encontra,
ele próprio, em estado de graça. No primeiro caso, é um profissional; no
segundo, um amador.
O crime
As instituições burguesas
não devem viver à sombra do medo de uma não-punição para os vilões; a ordem tem
de ser mantida através do cumprimento da lei, pois todo ato ilegal tem por
objetivo barbarizar a sociedade e atingir a quem conseguiu capitalizar o próprio
esforço. A idéia de um crime perfeito, nesse sentido, geraria um desconforto na
burguesia, que quer ver salvaguardada sua condição social. Seguindo o mesmo
pensamento, deve-se sempre saber de onde vem o perigo para evitá-lo ou para
poder punir seu responsável. Crime perfeito é sinônimo de caos e onde há caos
não há tranqüilidade ou lucro.
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