21 de abril de 2010

O caguetinha

mgrilo
... e os seus presentes serão também os meus presentes, e os meus presentes serão só os meus presentes
(fala de irmão mais velho para o menor  fingindo ler a bíblia)
         Quando a pequena mariposa entrou pela janela e se grudou na parede, ele olhou indiferente, mas um impulso o levantou para fechar a janela, encostar a porta e trazer o gato para o quarto; com seus lábios carnudos e proeminentes saudosos da chupeta, apontou a mariposa para o gato e, enquanto a natureza fazia a sua parte, o menino Venio de 11 anos da família Actorides tornava-se um alcagüete. Quando sua mãe perguntou por que tinha feito aquilo, respondeu com sua boquinha muxoxa  “a natureza não pode esperar” e, diferente de todos os outros que faziam essas coisas por interesse ou por prazer, acrescentou uma convicção filosófica  à sua iniciante carreira de caguetagens.
        Não era filho único e nem mau aluno. Quando seu professor de ciências explicou que o homem era também um animal – o apoio cientifico para ampliar suas ações – fez a sua primeira vítima: Nádia bunda-baixa, sua irmã adolescente, que ...tapaf!! levou uma tapona da mãe bem no meio dos beiços, e ele foi muito elogiado por ser tão zeloso com a família.
       Numa seqüência olímpica, os próximos imolados foram Manueli, a faxineira expulsa da casa, e Ciço, o auxiliar da portaria, o mais novo desempregado da cidade. Sendo considerado observador, diligente e cuidadoso pelos pais e vizinhos,  esse sacaninha agora encontrava-se enricado de adjetivos.
       De vez em quando seus pais na cama, antes de anunciarem os desejos, fantasiavam para ele uma carreira sólida no serviço público federal e concursado, como repetia orgulhosa sua mãe, mas como, com as provas da vida não se brinca, a família foi reprovada  – exatamente no dia doze de outubro  e um pouco antes das oito –  na BR-040, com  um acidente de carro em que faleceu esse varão, com o crânio fraturado, salpicando  de neurônios pervertidos a sua alma que voou direto para o nirvana dos corrompidos onde foi recebida com honras e de braços abertos pelo diabo em pessoa que, fazendo biquinho, murmurava baixinho “meu querubim...”

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