17 de setembro de 2011

O dia em que a minha filha adolesceu

Lucia Koury
        Os sinais foram sutis.  A bermuda e a camiseta larga ainda eram o uniforme preferido quando ela começou a se interessar por miçangas.  Lá fomos nós, para o centro comercial, comprar bolinhas de todas as cores e feitios.  Não demorou muito, virei expert em catar as miçangas nas frestas dos tacos do quarto dela, da sala, do corredor, por onde ela passasse com sua caixinha de futuras jóias. Comerciante nata, logo renovou o estoque com o rendimento do seu trabalho.  Depois, cansou de enfiar pedrarias e começou a se enfeitar com elas.  Fez mais um furinho na orelha e eu, que durante anos tinha tentado convencê-la de que ela ficava uma gracinha de jóias, vi, toda babando, Mariana colocar brincos, pulseiras e pequenas gargantilhas.  Minha alegria não demorou muito.  Não sei se por causa da alergia, ela vivia coçando a orelha esquerda.  Dizia que gostava de ficar rodando o brinco e eu já estava vendo a hora em que a orelha ia virar um repolho de inflamada.  Tanto falei que ela aposentou o brinco. Às vezes, ainda a vejo coçando o lóbulo como se estivesse de brinco.  Tenho que me lembrar de comentar com o homeopata na próxima consulta.
    Quando avisei a ela que ia tirar o sábado para arrumar seu quarto, ver as roupas que ainda lhe cabiam, os brinquedos com os quais brincava, os livros que tinha, ela foi taxativa: “eu vou arrumar meu quarto no primeiro dia de férias”.
          Os dois últimos meses do ano foram corridos, como sempre.  Ensaio de teatro (e um menino que ligava sempre para saber se ela ia à aula) prova de admissão em colégio novo, horário de verão, três festas de amigo oculto, passeio com o grupo da natação... E ela começando a circular com as amigas pela vizinhança.  Uma indo para a casa da outra. Telefona assim que chegar, não fica vendo vitrine, não fala com gente estranha, não aceita bala nem chiclete de ninguém e o coração batendo de ansiedade até sabê-la segura, em casa. 
          Foi por essa ocasião que começou a troca de roupas: toma meu biquíni vermelho e me dá o seu azul.  Eu não gosto muito desse short.  Você quer? O baú do quarto dela era quase um armário de roupas das amigas que iam e vinham. Todos os dias ela levava na mochila uma sacolinha com roupa esquecida ou emprestada. Em dois meses, contabilizei os seguintes prejuízos: duas cangas, cinco calcinhas, um maiô, duas camisetas, incontáveis meias, um alpargatas, uma blusa de colégio. Sumiram. Ninguém sabe. Ninguém viu. 
          O segundo semestre do ano coincidiu com o boom editorial de Harry Potter. Isso não foi privilégio da Mari. Todas as crianças do mundo caíram de boca (e de olhos) na coleção. Comprei-lhe o primeiro livro. Leu vorazmente.  O pai deu-lhe o segundo. Devorou. Ainda era outubro e a edição seguinte só seria lançada em dezembro.  Leu de novo o primeiro e o segundo volumes.  E, ainda, mais uma vez.  Enquanto esperava dezembro, tentei impingir-lhe outros livros do gênero como uma coleção de histórias policiais para adolescentes, com textos de diversos autores nacionais e estrangeiros. Não deu certo. Nem eu aguentei ler.  Mostrei-lhe o Fernão Campelo Gaivota, aquele livro-poesia sobre o inconformismo que existe em cada um de nós (em uns mais latente que em outros) mas ela me olhou de rabo de olho e deixou o  livro onde estava.  O resultado foi que no dia 1º de dezembro (dia do lançamento do livro), às nove horas da matina, debaixo de uma chuva torrencial, lá estávamos nós na livraria, atrás do último volume. Ele só chegou no meio da tarde e foi entregue em domicílio.  Mas a aflição não acabou.  Ainda existem muitos outros volumes que vão ser editados durante os próximos anos e alguns filmes da série.  Haja expectativa! 
          Pois bem, chegou o primeiro dia de férias e ela cumpriu sua promessa.  Enquanto eu estava na aula de ginástica, ela esvaziou sua escrivaninha inteira, separando o que era lixo, o que era para dar e o que era para guardar.  É claro que eu fui dar uma mãozinha porque a arrumação só terminou no dia seguinte, com o quarto dela bem limpo e o meu entulhado de brinquedos, de livros e de roupas. A determinação dela em se desfazer das suas coisas causou-me bastante estranheza; não fazia muito tempo, ela se negava a dar o que quer que fosse (incluindo brinde de festa de aniversário).  Mas, o verdadeiro choque veio quando percebi uma sacolinha branca, jogada num cantinho do quarto.  Ao ver seu conteúdo, quase caí para trás: era toda a coleção de revistas das Chiquititas, as órfãzinhas que durante dois ou três anos haviam convivido conosco, jantado diariamente em nossa mesa, compartilhado todas as alegrias e tristezas  O envolvimento era tanto que estivemos com elas (as meninas-atrizes) em San Isidro, na Argentina, numa feliz coincidência de viagem.  As fotos da ocasião, reproduzidas em tamanho gigante, também saíram da parede onde andaram penduradas desde então.
           Foi então que percebi.  Minha filha havia adolescido.  As gavetas da escrivaninha ficaram vazias, prontas para receber os novos signos. Fui para meu quarto e chorei, procurando minha menininha.
           Mas, foi aos poucos que vi que esse negócio dá e passa.  Não é de uma hora para outra.  A natureza é sábia.  Faz as coisas devagar que é para gente ir se acostumando.  Aos poucos.  Tanto que o presente de Natal que ela fez questão de escolher e pedir foi um jogo de montar Lego e uma Barbie Jóia.  Ainda tenho alguns meses pela frente. 

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