19 de janeiro de 2014

Literatura e música - uma bibliografia

As referências abaixo foram indicadas pelo prof. Jorge Valentim, por ocasião de um curso na Escola de Música da UFRJ, em 2000.

I) Suporte teórico
ANDRADE, Mário de. Introdução à estética musical. SP:HUCITEC, 1995.
BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. RJ:Nova Fronteira, 1990.
________________. S / Z. RJ: NOva Fronteira, 1992.
BRANCO, João de Freitas. "Música e literatura - segmentos de uma relação inesgotável". In: Colóquio/Letras. Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian, 42:21-35,1978.
COOK, Deryck. The language of Music. Oxford: Oxford University press, 1989.
DAHLHAUS, Carl. Estética musical. Lisboa: Edições 70, 1991.
DIAS, Rosa Maria. Nietzche e a música. RJ: Imago, 1994.
DORFLES, Gillo. O devir das artes. Lisboa: Dom Quixote, 1988.
FONSECA, Aleilton. Enredo romântico, música ao fundo. RJ: Sette Letras, 1996.
HARNONCOURT, Nikolaus. O discurso dos dons. RJ: Jorge Zahar, 1988.
LANGER, Sussane K. "Da significação da música". In: Filosofia em nova chave. SP: Perspectiva, 1999.
_________________. "O símbolo do sentimento". In: Sentimento e forma. SP: Perspectiva, 1999.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Olhar. Escutar. Ver. SP: Companhia das latras, 1997.
NATTIEZ, Jean-Jacques. Music and Discourse: Toward a Semiology of Music. New Jersey: Princepton University Press, 1990.
NETROVSKI, Arthur Rosenblat. Debussy e Poe. Porto Alegre: L&PM, 1986.
ROSEN, Charles. Sonata Forms. New York:Norton&Company, 1988.
_____________. The Romantic Generation. Cambridge: Harvard University Press, 1998.
SAID, Edward. Elaborações musicais. RJ: Imago, 1992.
SANTIAGO, Silviano. "A estrutura musical no romance". In: Nas malhas da letra. SP: Companhia das Letras, 1989.
SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da composição musical. SP: EDUSP, 1993.
SEIXO, Maria Alzira. Semiologia da música. Lisboa: Veja, s.d.
SOURIAU, Étienne. A correspondência das artes: elementos de estética comparada. SP: Cultrix, 1983.
SOUZA, Carlos Mendes de. O nascimento da música: a metáfora em Eugénio de Andrade. Coimbra: Almedina, 1992.
STEINER, George. Linguagem e silêncio. SP: Companhia das Letras, 1989.
STRAVINSKY, Igor. Poética musical. RJ: Jorge Zahar, 1996.
VALENTIM, Jorge Vicente. Cântico infindável: a música como metáfora na ficção de Vergílio Ferreira. RJ: Faculdade de Letras, UFRJ, 1996. Dissertação de Mestrado.
WISNICK, José Miguel. O som e o sentido. SP: Companhia das letras, 1989.

II) Obras poéticas e ficcionais
ALVES, Rubem. Concerto para corpo e alma. Campinas: Papirus, 1998.
ASSIS, Machado de. "Trio em lá menor". In: Várias Histórias. Obra completa. RJ: Nova Aguilar, 1986, volII.
BERNHARD, Thomas. O náufrago. SP: Companhia das Letras, 1996.
CLÁUDIO, Mário. Guilhermina. Lisboa:IN-CM, 1992.
_______________. Tocata para dois clarins. Lisboa: Dom Quixote, 1992.
COTRONEO, Roberto. Presto com Fuoco. RJ: Record, 1999.
DOURADO, Autran. Ópera dos mortos. RJ: Rocco, 1999.
DURAS, Marguerite. Moderato Cantabile. RJ: José Olympio, 1985.
FERNANDEZ, Dominique. Tribunal de honra. RJ: Record, 1999.
FERREIRA, Vergílio. Aparição. Venda Nova: Bertrand, 1994.
_________________. Cˆântico final. Venda Nova: Bertrand, 1985.
_________________. Em nome da terra. Venda Nova: Bertrand, 1991.
_________________. Para sempre. Venda Nova: Bertrand, 1990.
FONSECA, Rubem. O selvagem da ópera. SP: Companhia das Letras, 1995.
GERSÃO, Teolinda. Os teclados. Lisboa: Dom Quixote, 1999.
GIDE, André. Les faux-Monnayeurs. Paris: Gallimard, 1969.
HÄSTLING, Peter. A sombra de Schumann. RJ: Record, 1999.
HUXLEY, Aldous. Contraponto. Porto Alegre: Globo, 1945.
JOYCE, James. Música de câmara. SP: Iluminuras, 1998.
LLANSOL, Maria Gabriela. Lisboaleipzig 2: o ensaio de música. Lisboa: Rolim, 1994.
MANN, Thomas. A montanha mágica. RJ:Nova Fronteira, 1993.
MARTINS, Albano. Rodomel. Rododendro. Lisboa: Quetzal, 1989.
MÖRIKE, Eduard. Viagem de Mozart a Praga. Porto Alegre:L&PM, 1991.
PEPETELA. Lueji. Lisboa: Dom Quixote, 1988.
_________. O desejo de Kianda. Lisboa: Dom Quixote, 1995.
SENA, Jorge de. "Arte de música". In: Poesia II. Lisboa: Edições 70, 1988.
TUNSTRÖM, Göran. Oratório de natal. RJ: Nova Fronteira, 1996.
VERÏSSIMO, Érico. "As mãos de meu filho & Sonata". In: Contos. SP: Globo, 1994.
________________. Solo de clarineta. SP: Globo, 1995, 2 vls.
________________. Caminhos cruzados. SP: Globo, 1996.
________________. Música ao longe. SP: Globo, 1996.

LA CATHÉDRALE ENGLOUTIE, DE DEBUSSY - Jorge de Sena

Creio que nunca perdoarei o que me fez esta música.
Eu nada sabia de poesia, de literatura, e o piano
era, para mim, sem distinção entre a Viúva Alegre e Mozart,
o grande futuro paralelo a tudo o que eu seria
para satisfação dos meus parentes todos. Mesmo a Música,
eles achavam-na demais, imprópria de um rapaz
que era pretendido igual a todos eles: alto ou baixo funcionário público,
civil ou militar. Eu lia muito, é certo. Lera
o Ponson do Terrail, o Campos Júnior, o Verne e Salgari,
e o Eça e o Pascoaes. E lera também
nuns caderninhos que me eram permitidos porque aperfeiçoavam o francês,
e a Livraria Larousse editava para crianças mais novas do que eu era,
a história da catedral de Ys submersa nas águas.
 
Um dia, no rádio Pilot da minha Avó, ouvi
uma série de acordes aquáticos, que os pedais faziam pensativos,
mas cujas dissonâncias eram a imagem tremulante
daquelas fendas ténues que na vida,
na minha e na dos outros, ou havia ou faltavam.
Foi como se as águas se me abrissem para ouvir os sinos,
os cânticos, e o eco das abóbadas, e ver as altas torres
sobre que as ondas glaucas se espumavam tranquilas.
Nas naves povoadas de limos e de anémonas, vi que perpassavam
almas penadas como as do Marão e que eu temia
em todos os estalidos e cantos escuros da casa.
 
Ante um caderno, tentei dizer tudo isso. Mas
só a música que comprei e estudei ao piano mo ensinou
mas sem palavras. Escrevi. Como o vaso da China,
pomposo e com dragões em relevo, que havia na sala,
e que uma criada ao espanejar partiu,
e dele saíram lixo e papéis velhos lá caídos,
as fissuras da vida abriram-se-me para sempre,
ainda que o sentido de muitas eu só entendesse mais tarde.
 
Submersa catedral inacessível! Como perdoarei
aquele momento em que do rádio vieste,
solene e vaga e grave, de sob as águas que
marinhas me seriam meu destino perdido?
É desta imprecisão que eu tenho ódio:
nunca mais pude ser eu mesmo - esse homem parvo
que, nascido do jovem tiranizado e triste,
viveria tranquilamente arreliado até à morte.
Passei a ser esta soma teimosa do que não existe:
exigência, anseio, dúvida, e gosto
de impor aos outros a visão profunda,
não a visão que recusam:
esse lixo do mundo e papéis velhos
que sai dum jarrão exótico que a criada partiu,
como a catedral se irisa em acordes que ficam
na memória das coisas como um livro infantil
de lendas de outras terras que não são a minha.
 
Os acordes perpassam cristalinos sob um fundo surdo
que docemente ecoa. Música literata e fascinante,
nojenta do que por ela em mim se fez poesia,
esta desgraça impotente de actuar no mundo,
e que só sabe negar-se e constranger-me a ser
o que luta no vácuo de si mesmo e dos outros.
 
Ó catedral de sons e de água! Ó música
sombria e luminosa! Ó vácua solidão
tranquila! Ó agonia doce e calculada!
Ah como havia em ti, tão só prelúdio,
tamanho alvorecer, por sob ou sobre as águas,
de negros sóis e brancos céus nocturnos?
Eu hei-de perdoar-te? Eu hei-de ouvir-te ainda?
Mais uma vez eu te ouço, ou tu, perdão, me escutas?
Piano: François-Joël Thiollier

Catulo etc.

O título do texto é "De Catulo a Simão Pessoa - dois mil anos de poesia e escracho". São oito páginas. Tenho-o desde 1995 mais ou menos. Não quis jogá-lo fora. Mas estamos em 2013. Preservo-o? Preciso limpar as gavetas. Achei que o texto era de uma amiga minha e só no final descobri o seu autor: Zémaria Pinto. Não sabia quem era e fui pesquisar. Mas não falarei sobre ele. Vou simplesmente transcrever algumas das partes deste seu texto. Dou-me por satisfeita de falar em nomes como Catulo etc.

Odeio e amo. Talvez perguntes por que faço isso.
Não sei, mas sinto que me acontece e me torturo.
(trad. Paulo Sérgio de Vasconcelos)
Diz Zémaria:
Caius Valeriu Catullus (87-54 a.C.) foi a expressão máxima daqueles a quem o azedo Cícero chamou desdenhosamente de "poetas novos", jovens que preferiam as formas breves, preconizadas há 300 anos pelos alexandrinos, às longas e invariavelmente chatas epopeias.

Nota da transcritora: discordo. Epopeias nem sempre são chatas. E há muuuuitos poetas novos bem maçantes, principalmente por serem autorreferentes demais.

Havia nos novos poetas romanos ecos de um tempo ainda mais distante: Safo, poeta grega, de Lesbos, século VII a.C., foi descarada e amorosamente copiada por catulo, que a homenageou nomeando sua musa como Lésbia.

Mas o lírico refinado é também o introdutor na cultura latina de uma linguagem sarcástica e ferina, no limiar do que os convencionais [...] chamariam de chula.

Te peço, minha doce Ipsilila,
delícias minhas, graça, mimos meus,
ordena, que finda a sesta, eu te procure,
e caso ordenes, cogita tais cuidados:
despe de trava ou tranca a tua porta,
não te assaltem coceiras de sair.
Mas fica em casa, em raro preparo
de nove, gota a gota, nove fodas.
Se assim quiseres, pressa!, não hesites,
que eu, já almoçado, e farto à farta,
perfuro a um só tempo toga e túnica!

(Trad. Luiz Antônio de Figueiredo e Ênio Aloísio Fonda)

***
Ameana, mulher super-usada,
me pediu a quantia de diz mil!
Uma mulher de nariz grotesco,
amante de um caipira sem dinheiro!
Parentes, que se preocupam com a moça,
chamem os amigos e os médicos:
a moça está doente. E nem precisa
perguntar o que é: ela delira!

(Trad. Zélia de Almeida Cardoso)

***
Ah! Célio, a nossa Lésbia, aquela Lésbia,
a própria Lésbia a quem Catulo amou
mais que a todos os seus, mais que a si próprio,
agora, nas encruzilhadas e nos becos,
esfola os netos do magnânimo Remo.

(Trad. Luiz Antônio de Figueiredo e Ênio Aloísio Fonda)

***
Imundo puteiro, e vocês, companheiros de putaria
(nona pilastra depois do templo dos irmãos de barrete),
pensam que só vocês têm culhões,
podem comer tudo quanto é moça
e que os outros não passam de bodes?
(...) Pois a minha menina, que fugiu dos meus braços,
amada tanto quanto nenhuma será amada,
pela qual travei tantas batalhas,
senta-se aí, com vocês.
Com ela, vocês todos, nobres e ricos,
fazem amor e, contudo, o que é uma indignidade,
são todos mesquinhos e depravados da sarjeta (...)

(trad. Paulo Sérgio de Vasconcelos) 

***
Depois  de outros exemplos, Zémaria cita Marcial, cronista do primeiro século da era cristã e salta até Gregório de Mattos. Passa por Bocage (1765-1805), que carnavalizou o soneto, chegando a Simão Pessoa, que é pra lá de machista e escrachado. Esse ainda anda por aí na lida da dessacralização. Segundo Zémaria, em sua poesia há registros de uma insuspeita alegria em alguns poemas do livro Carajo:

Ivo ganhou uma ave
a ave de Ivo voa
baleei a ave do Ivo
Ivo ficou puto
Ivo me dedou pro velho
Ivo é um viado

***
O cravo transou a rosa
debaixo de uma sacada
o cravo saiu sorrindo
a rosa descabaçada

***
Súbito aguaceiro

Libertam-se libélulas
crisálidas de cristal
sob sol insólito

e eu meio bundão
cansado de fazer
tanta aliteração

***
Flores de cerejeira

Olho para as flores
Olho e as flores caem
Olho e as flores riem

Brincadeira:
nessa porra de cidade
nem existe cerejeira!

***
Resta saber se Safo era mesmo uma adepta do poema-escracho. Mas por ora volto às gavetas para de lá retirar raspas de textos, lembranças de outros Catulos etc.
http://palavradofingidor.blogspot.com.br/2012_10_01_archive.html

14 de janeiro de 2014

História do primo Lobinho

Extraída da crônica "Livros, leitores e antileitores" de Roberto da Matta,
em O Globo de 09 de novembro de 2011

Meu colega e amigo, o cientista político Eduardo Raposo, ouviu de seu primo Lobinho a seguinte história: um sujeito chega numa biblioteca e pede um livro de botânica. O funcionário prontamente lhe apresenta, com um sorriso alvar, "Raízes do Brasil".

Na tal biblioteca, encontram-se nas estantes:
"O idiota", em psicologia
"A interpretação dos sonhos", na de esoterismo
"Sobrados e mocambos", catalogado como engenharia
"A montanha mágica", astrologia
"Memórias póstumas de Brás Cubas", kardecismo
"Lolita", na lista de livros para moças
"A guerra das salamandras", em história militar
"Cem anos de solidão", prateleira de geriatria
"O cru e o cozido", culinária
"Hamlet", receitas inglesas
"Madame Bovary", pornografia
"Os Maias", etnologia centro-americana
"A neves de Kilimanjaro", setor de clima e ecologia
"As viagens de Gulliver", turismo
"O poder e a glória", política
"Carnavais, malandros e herois", listado tanto nas obras devotadas às escolas de samba quanto na prateleira de fraudes e contravenções
Fonte: Vida e Estilo