19 de janeiro de 2014

Catulo etc.

O título do texto é "De Catulo a Simão Pessoa - dois mil anos de poesia e escracho". São oito páginas. Tenho-o desde 1995 mais ou menos. Não quis jogá-lo fora. Mas estamos em 2013. Preservo-o? Preciso limpar as gavetas. Achei que o texto era de uma amiga minha e só no final descobri o seu autor: Zémaria Pinto. Não sabia quem era e fui pesquisar. Mas não falarei sobre ele. Vou simplesmente transcrever algumas das partes deste seu texto. Dou-me por satisfeita de falar em nomes como Catulo etc.

Odeio e amo. Talvez perguntes por que faço isso.
Não sei, mas sinto que me acontece e me torturo.
(trad. Paulo Sérgio de Vasconcelos)
Diz Zémaria:
Caius Valeriu Catullus (87-54 a.C.) foi a expressão máxima daqueles a quem o azedo Cícero chamou desdenhosamente de "poetas novos", jovens que preferiam as formas breves, preconizadas há 300 anos pelos alexandrinos, às longas e invariavelmente chatas epopeias.

Nota da transcritora: discordo. Epopeias nem sempre são chatas. E há muuuuitos poetas novos bem maçantes, principalmente por serem autorreferentes demais.

Havia nos novos poetas romanos ecos de um tempo ainda mais distante: Safo, poeta grega, de Lesbos, século VII a.C., foi descarada e amorosamente copiada por catulo, que a homenageou nomeando sua musa como Lésbia.

Mas o lírico refinado é também o introdutor na cultura latina de uma linguagem sarcástica e ferina, no limiar do que os convencionais [...] chamariam de chula.

Te peço, minha doce Ipsilila,
delícias minhas, graça, mimos meus,
ordena, que finda a sesta, eu te procure,
e caso ordenes, cogita tais cuidados:
despe de trava ou tranca a tua porta,
não te assaltem coceiras de sair.
Mas fica em casa, em raro preparo
de nove, gota a gota, nove fodas.
Se assim quiseres, pressa!, não hesites,
que eu, já almoçado, e farto à farta,
perfuro a um só tempo toga e túnica!

(Trad. Luiz Antônio de Figueiredo e Ênio Aloísio Fonda)

***
Ameana, mulher super-usada,
me pediu a quantia de diz mil!
Uma mulher de nariz grotesco,
amante de um caipira sem dinheiro!
Parentes, que se preocupam com a moça,
chamem os amigos e os médicos:
a moça está doente. E nem precisa
perguntar o que é: ela delira!

(Trad. Zélia de Almeida Cardoso)

***
Ah! Célio, a nossa Lésbia, aquela Lésbia,
a própria Lésbia a quem Catulo amou
mais que a todos os seus, mais que a si próprio,
agora, nas encruzilhadas e nos becos,
esfola os netos do magnânimo Remo.

(Trad. Luiz Antônio de Figueiredo e Ênio Aloísio Fonda)

***
Imundo puteiro, e vocês, companheiros de putaria
(nona pilastra depois do templo dos irmãos de barrete),
pensam que só vocês têm culhões,
podem comer tudo quanto é moça
e que os outros não passam de bodes?
(...) Pois a minha menina, que fugiu dos meus braços,
amada tanto quanto nenhuma será amada,
pela qual travei tantas batalhas,
senta-se aí, com vocês.
Com ela, vocês todos, nobres e ricos,
fazem amor e, contudo, o que é uma indignidade,
são todos mesquinhos e depravados da sarjeta (...)

(trad. Paulo Sérgio de Vasconcelos) 

***
Depois  de outros exemplos, Zémaria cita Marcial, cronista do primeiro século da era cristã e salta até Gregório de Mattos. Passa por Bocage (1765-1805), que carnavalizou o soneto, chegando a Simão Pessoa, que é pra lá de machista e escrachado. Esse ainda anda por aí na lida da dessacralização. Segundo Zémaria, em sua poesia há registros de uma insuspeita alegria em alguns poemas do livro Carajo:

Ivo ganhou uma ave
a ave de Ivo voa
baleei a ave do Ivo
Ivo ficou puto
Ivo me dedou pro velho
Ivo é um viado

***
O cravo transou a rosa
debaixo de uma sacada
o cravo saiu sorrindo
a rosa descabaçada

***
Súbito aguaceiro

Libertam-se libélulas
crisálidas de cristal
sob sol insólito

e eu meio bundão
cansado de fazer
tanta aliteração

***
Flores de cerejeira

Olho para as flores
Olho e as flores caem
Olho e as flores riem

Brincadeira:
nessa porra de cidade
nem existe cerejeira!

***
Resta saber se Safo era mesmo uma adepta do poema-escracho. Mas por ora volto às gavetas para de lá retirar raspas de textos, lembranças de outros Catulos etc.
http://palavradofingidor.blogspot.com.br/2012_10_01_archive.html

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