16 de agosto de 2020

O BRANCO LUNAR

Maria Tereza Albernaz 

Parecia que o sonho era inventado, mas gravei exatamente como tinha sido.

Estou caminhando ao ar livre e ao virar para uma pequena estrada, vejo uma paisagem esbranquiçada. Me deparo com montanhas de pedra branca, trilhas de pedra branca, mesmo casas feitas com a pedra branca. Não é um lugar nobre, nem pobre demais. Não encontro vida, folhagem, flor. A medida que avanço, percebo ao fundo um mercado, uma feira de todos os tipos de coisas sem cor. Velhos pálidos de cabeça branca e jovens macilentos amigavelmente exibem suas mercadorias. O único animal que vejo é um cachorro quase sem pelo, enrolado em um pano desbotado sendo acarinhado por uma moça que chora. Me abaixo para apanhar no chão pedaços de ossos, ensaio um meio sorriso e ela se afasta fazendo levantar sua ampla saia de uma alvura resplandecente. Sigo seu percurso e me vejo diante de um lago cristalino. Entro e me deito na água transparente, pura, fria. Nas proximidades um homem calvo lança um anzol e pesca um peixe brilhante. Os movimentos e sons desaparecem e as formas somem como um pássaro atrás das nuvens. Neste momento faz-se um vazio total entre a noite e o dia. Na alvorada, começo a afundar lentamente e respiro lívido de medo. Reviro-me de costas, estendendo os braços para alcançar um tronco que sirva de boia. Estou preso ali sentindo a sucção me puxar para baixo. Aterrorizado vejo ao meu lado a moça flutuando em sua brancura imaculada. Depois me acalmo e sou levado também pela morte.   

 

Acordei aliviado por sentir que minha reação ao sonho foi de tranquilidade e aceitação. 

Branco sobre branco. Kazimir Malevich, 1918.

Um comentário:

  1. Que lindo ler um texto tão bem escrito por minha mãe, que ao mesmo tempo é tão leve, porém profundo. E elogiado por minha Tia, que tanto admiro e de quem tenho tantos textos, desde tào pequena! Obrigada ❤️

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