Arlette Santos
Novembro de 2005. O fim do ano se aproximava e eu não me animava a tomar as providências para os festejos natalinos. No Natal, sempre comemorado em minha casa, vem filhos, cônjuges e netos, de Brasília, da Barra da Tijuca e do Uruguai. Em média, quinze pessoas. E eu faço questão de preparar o peru, as rabanadas, bolinhos de bacalhau e todos os pratos tradicionais da época em que eu era jovem.
Mas o tempo passava e eu não me dispunha a sair em campo para adquirir, com antecedência, tudo o que era necessário, incluindo alguns presentes. Num sábado da segunda quinzena decidi ir ao shopping. Quem sabe o movimento consumista e o presépio que fora inaugurado dias antes me animariam?
Lá chegando, logo na entrada, fui interpelada por uma jovem perguntando se eu poderia responder a uma pergunta. Notei uma pequena aglomeração de onde sobressaiam alguns equipamentos fotográficos. Minha primeira reação foi seguir adiante, mas então me questionei: por que não dar atenção a esta moça? Afinal, hoje é sábado e ela está trabalhando...
- Qual é a pergunta?, consenti. E ela: Onde você guarda o seu racismo?
Feita de forma tão direta, a questão não me pareceu fácil responder. Falar sobre o racismo seria bem mais simples. Respondi: Se o tenho, deve estar em meu inconsciente.
Pediram-me que assinasse um documento autorizando o uso da minha imagem. Saí dali com uma sensação desagradável: a resposta me parecera incompleta. Chegando em casa não comentei o fato, e com o passar dos dias já o esquecera.
Na semana entre o Natal e o Ano Novo uma de minhas filhas telefonou e perguntou: Lelette, você deu alguma entrevista na televisão? O Guga (meu neto de nove anos) estava vendo um programa e, de repente, todo alvoroçado, gritou: Mamãe, vovó esta dando uma entrevista na TV.
Contei-lhe o que havia sucedido. Daí em diante foram inúmeros os telefonemas, emails, abordagens na rua por conhecidos e desconhecidos, fazendo os mais diversos comentários, cumprimentando-me, como se eu tivesse feito algo muito especial.
Dias depois, quando estacionava meu carro junto a um supermercado, o guardador, que já me conhecia, disse: Vi a senhora na TV.
Ato contínuo, abaixou-se para copiar a placa do carro. Sorriu para mim e completou: Vou aproveitar e fazer uma fezinha...
Pois é. O natal tinha passado e eu nem havia percebido. E agora eu podia dar sorte para um quase desconhecido! Tenho de admitir: naquele fim de ano, meu inconsciente fez a festa.
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