25 de maio de 2010

A arte da crônica (Final)

Bia Albernaz
O  cronista desfruta de muita liberdade porque, em seus escritos, pode ser um pouco ensaísta, um pouco ficcionista e um pouco poeta. Pode emendar um assunto no outro na maior desfaçatez e, fazendo isto com elegância, levar os seus leitores a entenderem direitinho porque reúne temas às vezes tão díspares como a observação de um porco-espinho, um jantar de gala e a alta dos preços no vestuário. Ao lado desta possibilidade de livre associação, a eventual introdução de personagens no meio das crônicas deu também tão certo que, em alguns casos, esses acabaram se tornando companheiros reais para seus leitores, tal como o Sobrenatural de Almeida, em Nelson Rodrigues; a velhinha de Taubaté, em Luís Fernando Veríssimo; ou a Tia Zulmira, em Stanislau Ponte Preta. Para eles, a crônica assumiu ares de historieta, relatos episódicos e anedóticos em que ao leitor, e não ao autor, cabe a conclusão. Isto porque o desenvolvimento do cronista como artista e escritor não se dá pelo compromisso em relação ao destino dos seus personagens. Um cronista se desenvolve justamente porque sabe parar e, aberto sempre, a partir de novas perspectivas, recomeçar. Fernando Pessoa disse: “Sou um homem para quem o mundo exterior é uma realidade interior”. O mundo se cria, quando participamos dele.
Aí está o grande feito de toda a minha vida. O óbvio vivia relegado a uma posição secundária ou nula. Fui eu que, com minha pertinácia, arranquei-o da obscuridade, da insignificância.  (Nelson Rodrigues)

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