Em louvor da vírgula
José Mário Silva (jornalista e poeta)
Macadame – É tudo uma questão de ritmo. Digam comigo, muito rápido: “macadame, macadame, macadame”. Não imaginam logo o som de um motor a quatro tempos, numa estrada cheia de curvas? Ou então uma reta interminável onde automóveis (dos primeiros, a manivela) se cruzam com caleches repletas de burgueses aperaltados? Macadame é uma palavra deliciosamente antiga, espécie de asfalto oitocentista, vocabulário dandy para personagem do Eça.
Zigurate – A culpa é da letra “z”, dos zigezagues com que faz entrar, cego pelo sol, na arquitetura desses templos anteriores à própria Bíblia, talvez o de Ur, talvez essa maldita e fascinante Torre de Babel.
Falésia - Quatro sílabas que primeiro se põem a correm (“fa”), depois planam momentaneamente sobre o abismo (“lé”), antes de caírem desamparadas (“si”) no mar que fica lá em baixo (“a”). A palavra espelha o que é suposto representar: paisagem e perspectiva. Não se lhe pode pedir mais.
Magnólia _ Digo “magnólia” e explode na minha boca uma flor branca, presa à memória de versos magníficos (Luíza Neto Jorge, Daniel Faria).
Tiorba – Vocabulário primo de um outro – alaúde – e igualmente belo, lânguido, musical.
Ascese – Pesa o mínimo dos mínimos, este substantivo quase sem substância. É pura leveza, palavra feita de ar, caminho aberto para os pensamentos mais altos e distantes da pequenez terrestre. Pronunciá-las (as-ce-se) é já um começo de levitação.
Láudano – O torpor sobe de intervalo entre as letras (e é bom).
Revelim – É uma espécie de escudo, de proteção para muralhas e obras de arte. Palavra rara, vagamente ridícula, tão pomposa que dá vontade de rir. Gosto dela por isso mesmo: há algo na sua solenidade anacrônica que me enternece.
Pérgula – De imediato: um terraço coberto, a primavera crescendo nas sombras. E a palavra enrola-se, é portátil, cabe no bolso. Além disso, faz-me lembrar uma pausa serena, a vírgula que é muito mais do que um sinal de pontuação. Na pérgula, sinto-me perto da vírgula.
Ecografia – A razão porque escolho esta palavra é tão óbvia como íntima. Sim, é mesmo essa. Mede-se (ainda) em milímetros.
Zigurate – A culpa é da letra “z”, dos zigezagues com que faz entrar, cego pelo sol, na arquitetura desses templos anteriores à própria Bíblia, talvez o de Ur, talvez essa maldita e fascinante Torre de Babel.
Falésia - Quatro sílabas que primeiro se põem a correm (“fa”), depois planam momentaneamente sobre o abismo (“lé”), antes de caírem desamparadas (“si”) no mar que fica lá em baixo (“a”). A palavra espelha o que é suposto representar: paisagem e perspectiva. Não se lhe pode pedir mais.
Magnólia _ Digo “magnólia” e explode na minha boca uma flor branca, presa à memória de versos magníficos (Luíza Neto Jorge, Daniel Faria).
Tiorba – Vocabulário primo de um outro – alaúde – e igualmente belo, lânguido, musical.
Ascese – Pesa o mínimo dos mínimos, este substantivo quase sem substância. É pura leveza, palavra feita de ar, caminho aberto para os pensamentos mais altos e distantes da pequenez terrestre. Pronunciá-las (as-ce-se) é já um começo de levitação.
Láudano – O torpor sobe de intervalo entre as letras (e é bom).
Revelim – É uma espécie de escudo, de proteção para muralhas e obras de arte. Palavra rara, vagamente ridícula, tão pomposa que dá vontade de rir. Gosto dela por isso mesmo: há algo na sua solenidade anacrônica que me enternece.
Pérgula – De imediato: um terraço coberto, a primavera crescendo nas sombras. E a palavra enrola-se, é portátil, cabe no bolso. Além disso, faz-me lembrar uma pausa serena, a vírgula que é muito mais do que um sinal de pontuação. Na pérgula, sinto-me perto da vírgula.
Ecografia – A razão porque escolho esta palavra é tão óbvia como íntima. Sim, é mesmo essa. Mede-se (ainda) em milímetros.