26 de novembro de 2010

Vocabulário de afetos III

Em louvor da vírgula
José Mário Silva (jornalista e poeta)
Macadame – É tudo uma questão de ritmo. Digam comigo, muito rápido: “macadame, macadame, macadame”. Não imaginam logo o som de um motor a quatro tempos, numa estrada cheia de curvas? Ou então uma reta interminável onde automóveis (dos primeiros, a manivela) se cruzam com caleches repletas de burgueses aperaltados? Macadame é uma palavra deliciosamente antiga, espécie de asfalto oitocentista, vocabulário dandy para personagem do Eça.
Zigurate – A culpa é da letra “z”, dos zigezagues com que faz entrar, cego pelo sol, na arquitetura desses templos anteriores à própria Bíblia, talvez o de Ur, talvez essa maldita e fascinante Torre de Babel.
Falésia - Quatro sílabas que primeiro se põem a correm (“fa”), depois planam momentaneamente sobre o abismo (“lé”), antes de caírem desamparadas (“si”) no mar que fica lá em baixo (“a”). A palavra espelha o que é suposto representar: paisagem e perspectiva. Não se lhe pode pedir mais.
Magnólia _ Digo “magnólia” e explode na minha boca uma flor branca, presa à memória de versos magníficos (Luíza Neto Jorge, Daniel Faria).
Tiorba – Vocabulário primo de um outro – alaúde – e igualmente belo, lânguido, musical.
Ascese – Pesa o mínimo dos mínimos, este substantivo quase sem substância. É pura leveza, palavra feita de ar, caminho aberto para os pensamentos mais altos e distantes da pequenez terrestre. Pronunciá-las (as-ce-se) é já um começo de levitação.
Láudano – O torpor sobe de intervalo entre as letras (e é bom).
Revelim – É uma espécie de escudo, de proteção para muralhas e obras de arte. Palavra rara, vagamente ridícula, tão pomposa que dá vontade de rir. Gosto dela por isso mesmo: há algo na sua solenidade anacrônica que me enternece.
Pérgula – De imediato: um terraço coberto, a primavera crescendo nas sombras. E a palavra enrola-se, é portátil, cabe no bolso. Além disso, faz-me lembrar uma pausa serena, a vírgula que é muito mais do que um sinal de pontuação. Na pérgula, sinto-me perto da vírgula.
Ecografia – A razão porque escolho esta palavra é tão óbvia como íntima. Sim, é mesmo essa. Mede-se (ainda) em milímetros.
Jornal das Letras, Artes e Idéias, Ano XXIV / n.889 (27 de outubro a 9 de novembro 2004), Portugal.
http://bibliotecariodebabel.com/

20 de novembro de 2010

Vocabulário de afetos II

Música e ritmo
Catarina Fonseca (jornalista e escritora)
Traquitana – Serve para basicamente tudo à face da Terra. Geralmente é uma coisa em grande que não se domina. Ai que mal que isto soou. Tipo máquina de lavar louça. Um batom, por exemplo, não é uma traquitana.
Chafarica – É aquelas palavras que só podem existir na língua portuguesa (embora depois vamos a ver e elas vêm todas do francês ou do galego ou do árabe) como calduço, e lamisgóia, e badameco, e patanisca.
Traulitada – Também poderia estar na categoria anterior, mas merece uma alínea só para ela. Parece uma dança. ‘Os trauliteiros de Miranda’.
Madrigal – É das poucas palavras que são foneticamente musicais e têm um significado a corresponder. Estranhamente, isso faz com que não dêem jeito nenhum. São demasiado-uni-qualquer-coisa. Não se pode usá-las, só pode abusá-las. São as louras burras do vocabulário.
Escaldadiço – Gosto muito do sufixo “iço”. Como em enfermiço. Gosto muito de palavras intraduzíveis.
Berbequim – Não merece aquilo que é. Como edil. E crinolina. E filial. E criminalidade. Para que foram gastar música com significados destes? Devia ser tudo expropriado e botado noutro significado, tipo a terra a quem a trabalha. Por exemplo, berbequim podia substituir “olho”, que tem tão pouca graça que até dói. ‘Tens uns lindos berbequins’ ou, teus berbequins castanhos de encantos tamanhos.
Lacaio – Faz parte da categoria ‘palavras que são exactamente aquilo que são’. Como pacato, maléfico, moinha, alguidar, farfalheira, bodega.
Crancelim – Parece um arreio de cavalos. “Mete aí um crancelim ao Pimpão.” Infelizmente, significa uma coroa de flores no meio de um escudo heráldico. São palavras que nunca se usam, o que é uma pena. Não seria lindo poder dizer de vez em quando, “passa-me aí o crancelim? Em vez de sei lá, piaçaba? “Já tens um crancelim na tua casa de banho?” Por outro lado, passava-se a diser-se: “meu brasão de família tem um piaçaba entre dois dragões.”
Breu – Gosto, pronto. É uma pena ser tão lugar-comum que já não se pode usá-la.
Pitencantropo – Isto sim, é uma palavra de jeito. Infelizmente, não há assim muita oportunidade para a usar.
Gosma – É transtornante a quantidade de magníficas palavras que a nossa língua usa para descrever substâncias vagamente nojentas. Além da imbatível gosma ainda há ranho, ranhoca, ranheta, escarreta, cuspo. E etc. Desvantagem: não é para todos os estômagos.
 Jornal das Letras, Artes e Idéias, Ano XXIV / n.889 (27 de outubro a 9 de novembro 2004), Portugal.
Berbequim.pt=Furadeira.br

19 de novembro de 2010

Vocabulário de afetos I

A sedução das esdrúxulas
Albano Martins (poeta)
Paixão – A palavra significa sofrimento, mas o sofrimento por amor é o único humanamente tolerável e, mais do que isso, apetível. Diria mais: a paixão é a única forma digna de estar na vida e de resistir aos assaltos diários da morte.
Água – A da fonte e a dos riachos da montanha. Limpa, límpida, era assim que eu queria as relações humanas, habitualmente tão turvas e envenenadas.
Lágrima – Sempre me seduziram as palavras esdrúxulas. Esta, pela sua particular sonoridade, que lhe advém da contiguidade da vogal átona i, fechada, com a tônica a, aberta, e da acumulação de consoantes líquidas ou molhadas. Lágrima é, com efeito, uma palavra molhada. E salgada, como a água do mar.
Fogo – O elemento primordial, como queria Heráclito. Sem ele, Eros seria apenas um deus menor ou uma figura retórica.
Verão – A casa do fogo. É lá também que moram os frutos, as hidrângeas e as papoilas.
Perfume – É uma essência, e é a essência que a minha poesia persegue. Rima, além disso, com lume, que é o outro nome do fogo.
Vermelho – A primeira cor. Digo: a cor do fogo e do sangue. A cor do génesis, auroral.
Magnólia – A flor esdrúxula; a flor sem folhas e sem fruto; a flor, simplesmente.
Acaso – Tudo é obra sua. Ele é, por isso, o único deus ominipotente e... omnipresente.
Absurdo – O irmão gémeo do acaso, e tão poderoso e presente como ele no universo do nosso quotidiano.
Jornal das Letras, Artes e Idéias, Ano XXIV / n.889 (27 de outubro a 9 de novembro 2004), Portugal.
O livro comemora os 60 anos de carreira do escritor.

Procura da poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro

são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,

que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.

O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.

Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.

Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)

elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.

Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,

vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família

desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas

tua sepultada e merencória infância.

Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.

Que se dissipou, não era poesia.

Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não há desespero,

há calma e frescura na superfície intata.

Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.

Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.

Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.

Não forces o poema a desprender-se do limbo.

Não colhas no chão o poema que se perdeu.

Não adules o poema. Aceita-o

como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?

Repara:

ermas de melodia e conceito

elas se refugiaram na noite, as palavras.

Ainda úmidas e impregnadas de sono,

rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
Carlos Drummond de Andrade em "A Rosa do Povo" (1945)
***

16 de novembro de 2010

8 x 80

JMGLA
Parece que foi ontem. A expressão é bem usada. Eu menina em Petrópolis declamando Meus Oito Anos. Hoje prestes a completar oitenta. A estrada. Tento escrever um poema. Mal traçado. Nada me contenta.
Arlette Santos

Reescrita, traduções e releitura do Endimião de Keats

Passos em direção à beleza
Uma das meninas de Vélasquez (1665) e a releitura de Picasso (em torno de 1950)
 Leitura
O Endimião é um poema longo escrito de abril a 28 de novembro de 1817 e publicado em fins de abril de 1818. Cuida dos amores mitológicos de Febe (a Lua) e Endimião, em quatro livros cheios de incidentes.
Releitura
O tema, que consta de Ovídio, inspirou ao Cariteo, na Itália, em livro intitulado Endimione, no qual se dirigem poemas platônicos a "Luna". O assunto, na Inglaterra, foi desenvolvido por Lyly (Endimion), também platonicamente, ou por Drayton (Endymion and Phoebe), com uma história mínima, cheia de uma sucessão de cenas agradáveis interrompidas por meditações ou dissertações casuais sobre Astronomia, Astrologia, Filosofia. Admite-se que Keats haja conhecido essas e outras fontes insulares, que foram profusas (vide E.S. Le Comte, Endymion in England, Nova York, 1944).
 Escrita
O excerto abaixo abre o poema, com um verso celebérrimo, "A thing of beauty is a joy for ever", que Keats imaginou em 1815,
Escuta
ao tempo em que morava com outro estudante de medicina, Henry Stephens, o qual disse que à primeira versão da linha - "A thing of beauty is a constant joy" - faltava alguma coisa.
Reescrita 
Keats emendou então, tornando-se magistral o verso.
Péricles Eugenio da Silva Ramos
***
O poema (trecho)
Endymion
John Keats
A thing of beauty is a joy for ever:
Its loveliness increases; it will never
Pass into nothingness; but still will keep
A bower quiet for us, and a sleep
Full of sweet dreams, and health, and quiet breathing.
Therefore, on every morrow, are we wreathing
A flowery band to bind us to the earth,
Spite of despondence, of the inhuman dearth
Of noble natures, of the gloomy days,
Of all the unhealthy and o'er-darkened ways::
Made for our searching: yes, in spite of all,
Some shape of beauty moves away the pall
From our dark spirits. Such the sun, the moon,
Trees old and young, sprouting a shady boon
For simple sheep; and such are daffodils
With the green world they live in; and clear rills
That for themselves a cooling covert make
'Gainst the hot season; the mid forest brake,
Rich with a sprinkling of fair musk-rose blooms:
And such too is the grandeur of the dooms
We have imagined for the mighty dead;
All lovely tales that we have heard or read:
An endless fountain of immortal drink,
Pouring unto us from the heaven's brink.
 ***
Traduções
1. Endimião
Tudo o que é belo é uma alegria para sempre:
O seu encanto cresce; não cairá no nada;
Mas guardará continuamente, para nós,
Um sossegado abrigo, e um sono todo cheio
De doces sonhos, de saúde e calmo alento.
Toda manhã, portanto, estamos nós tecendo
Um liame floral que nos vincule à terra,
Malgrado o desespero, a carestia cruel
De nobres naturezas, os escuros dias,
E todos os sombreados e malsãos caminhos
Abertos para nossa busca: não obstante,
Alguma forma bela afasta essa mortalha
De nossa lúgubre alma. Assim são sol e lua,
As árvores lançando a dádiva da sombra
Às ovelhas sem mal; e assim são os narcisos
Com o mundo verde no qual vivem, e os regatos
Que fazem para sim uma coberta amena
Contra a quente estação; a moita mato adentro,
Rica de um jorro em flor de almiscaradas rosas;
E assim também a majestade dos destinos
Que imaginamos para os mortos poderosos;
Os lindos contos que nós lemos ou ouvimos:
Uma fonte infindável de imortal bebida
Que da fímbria dos céus a nós se precipita.
Trad. Péricles Eugenio da Silva Ramos, 1987 - Premio Jabuti - 1986

2. Endymion
O que é belo há de ser eternamente
Uma alegria, e há de seguir presente.
Não morre; onde quer que a vida breve
Nos leve, há de nos dar um sono leve,
Cheio de sonhos e de calmo alento.
Assim, cabe tecer cada momento
Nessa grinalda que nos entretece
À terra, apesar da pouca messe
De nobres naturezas, das agruras,
Das nossas tristes aflições escuras,
Das duras dores. Sim, ainda que rara,
Alguma forma de beleza aclara
As névoas da alma. O sol e a lua estão
Luzindo e há sempre uma árvore onde vão
Sombrear-se as ovelhas; cravos, cachos
De uvas num mundo verde; riachos
Que refrescam, e o bálsamo da aragem
Que ameniza o calor; musgo, folhagem,
Campos, aromas, flores, grãos, sementes,
E a grandeza do fim que aos imponentes
Mortos pensamos recobrir de glória,
E os contos encantados na memória:
Fonte sem fim dessa imortal bebida
Que vem do céus e alenta a nossa vida.
Trad. Augusto de Campos, 2009
Colhido no http://antoniocicero.blogspot.com
***
Releitura
Beauty: A thing of
Haroldo de Campos
sentada no sam-
witch à hora do
almoço ergueu o braço
à altura dos cabelos um
pente louro alumbra à axila
promessa do outro
pente debruçada sobre a mesa
lápis e o caderno de notas
livros nausícaa em camiseta e/
mêmore no mármore do tempo
e se levanta e
sai
(Haroldo de Campos. In: A educação dos cinco sentidos, 1985)

14 de novembro de 2010

Contos concisos

Inspirando-se no menor conto do mundo, do guatemalteco Augusto Monterroso, como 37 letras: "Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá", José Castello propõe o seguinte exercício: "escrever um conto de no máximo 50 palavras (quatro ou cinco linhas).
***
Exemplos:
Do segundo andar da lanchonete, viu sua ex-mulher atravessar a rua e dirigir-se, cambaleante, para os trilhos do trem.
¥
Jonas, o mendigo, olhou com desdém a calça que o porteiro lhe estendia. Sabia de quem eram. Jamais aceitaria vestir-se com a roupa de quem caíra tão baixo.
Ø
“E ela quebrou o meu sofá!” Nem bem havia saído, todas gargalhavam, mãos sobre a boca, do  arrastar dos mais de cem quilos de Toinha. Era a vingança das cinco irmãs, mas o pai não mudaria de idéia: ele havia escolhido aquela como a sua noiva.
O padre queria rezar mas só se lembrava do Flamengo. Do Flamengo e daquela sua prima que havia feito de tudo para que ele afinal se tornasse rubro-negro.
Bia Albernaz
***
JMGLA

9 de novembro de 2010

Poeta e Palavras de Manoel de Barros

O POETA
Vão dizer que não existo propriamente dito.
Que sou um ente de sílabas.
Vão dizer que eu tenho vocação pra ninguém.
Meu pai costumava me alertar:
Quem acha bonito e pode passar a vida a ouvir o som
Das palavras
Ou é ninguém ou zoró.
Eu teria 13 anos.
De tarde fui olhar a Cordilheira dos Andes que
se perdia nos longes da Bolívia
E veio uma iluminura em mim.
Foi a primeira iluminura.
Daí botei meu primeiro verso:
Aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem.
Mostrei a obra pra minha mãe.
A mãe falou:
Agora você vai ter que assumir as suas
Irresponsabilidades.
Eu assumi: entrei no mundo das imagens.

***
PALAVRAS
Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem. Eu desestruturo a linguagem? Vejamos: eu estou bem sentado num lugar. Vem uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim. Tira o lugar em que eu estava sentado. Eu não fazia nada para que a palavra me desalojasse daquele lugar. E eu nem atrapalhava a passagem de ninguém. Ao retirar de debaixo de mim o lugar, eu desaprumei. Ali só havia um grilo com sua flauta de couro. O grilo feridava o silêncio. Os moradores do lugar se queixavam do grilo. Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta. Agora eu pergunto: quem desestrututou a linguagem? Fui eu ou foram as palavras? E o lugar que retiraram de debaixo de mim? Não era para terem retirado a mim do lugar? Foram as palavras, pois que desestruturaram a linguagem. E não eu.

(Ensaios fotográficos)
***
Exercício com Manoel
ESCOLHER UMA FRASE &
DESENVOLVER UM TEXTO
A PARTIR DELA OU CONCLUÍ-LO COM ELA.

Sábio é o que adivinha.

O meu amanhecer vai ser de noite.

Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.

Tudo que não invento é falso.

Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário.

Do lugar onde estou já fui embora.

Não gosto de palavra acostumada.

O artista é um erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.

Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.

Narrando de olho no tempo (exercícios)

1- Um conto narrado no tempo aqui-e-agora, sem mencionar o que aconteceu antes ou depois (conto fotográfico)
2- Uma descrição de um momento.
3- Uma narrativa, com o desfecho pensado antes, escrita na perspectiva desse final.
4- Dois comentários, duas perspectivas, sobre uma mesma passagem ou episódio.
5- Uma história cujo tempo é cíclico.
6- A interferência de um fato inesperado em uma determinada rotina e as implicações.
7- Uma narrativa dentro de uma narrativa, a convivência de dois tempos, duas existências históricas distintas.
8- A história contada por uma criança ou por um personagem cuja ótica seja voltada para o instantâneo e o inacabado.
9- Uma narração introspectiva, de reminiscência.

6 de novembro de 2010

Terças literárias_Casa da Leitura (divulgação)

A besta dos mil anos (convite)

www.abestados1000anos.com.br
Querido Ilmar
fiquei supercontente de encontrar seu convite na mesa da minha cozinha ontem à noite, quando cheguei de uma longa jornada de uma sexta-feira cheia de trabalho, conversa e vinho (gelado e rosé) no final. Estou ansiosa para ver o seu livro que tem um título amedrontador. Sei de suas peripécias na França atrás de uma certa peça medieval de tapeçaria. Coisa fina, interessante, com um clima de Tintim, misturado com Visconde de Mauá, astrologia e sexo.

Para quem não sabe, Ilmar frequentou o Atelier da Escrita num tempo em que ele era uma espécie de curso de rebeldes de todas as idades, acho que dos 1000 anos. Lemos trechos do seu romance, anotamos, sublinhamos, discutimos, discordamos, conversamos e por isso mesmo nos sentimos parte deste lançamento. Grande abraço Ilmar e manda ver, BiaA.

Cafe.com poesia (convite)

O cineasta Silvio Tendler inaugura a videoinstalação ‘ Há Muitas noites na noite ‘, no OI Futuro. O evento é uma homenagem ao Poema Sujo, de Ferreira Gullar. Diversas personalidades fizeram a leitura dos poemas que serão exibidos. Maria Bethânia, Osmar Prado, Zeca baleiro, Ziraldo, Walter Carvalho, Amir Haddad, Camila Pitanga, Zuenir Ventura, Edu Lobo e Alcione são alguns deles (além deste que vos escreve - lista completa no flyer).

O objetivo de Silvio Tendler é ir além da videoinstalação, na verdade ela funcionará como pontapé inicial para os dois próximos projetos: levar a empreitada para a TV e o cinema. Durante o evento, Silvio irá documentar todos os movimentos e, posteriormente, usará as imagens no filme e na série de TV.

Leia a matéria no Globo: http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2010/11/03/silvio-tendler-homenageia-ferreira-gullar-com-videoinstalacao-sobre-poema-sujo-922936990.asp
Marcio-André

Plastico Bolha - Antologia de prosa (convite)

http://jornalplasticobolha.blogspot.com/   Jornal gratuito de literatura contemporânea

5 de novembro de 2010

Onde habita minha alma (convite)

Existe um lugar onde habita a essência daquilo que somos. Também existe uma ponte a ser construída entre esse universo interno e a realidade. O livro “Onde Habita Minha Alma - O Caderno Essencial” é uma ferramenta para esta construção. Participe dessa experiência, junto com a autora do livro Tatiana Telink e da arteterapeuta Irene Monteiro.

Data: 28 de novembro de 2010 (domingo)
Horário: 10 às 17 horas (com intervalo para almoço coletivo)
Local: Rua Cesário Alvim, 15 – Humaitá, Rio
Investimento: R$ 23,00 – para quem já tem o livro
R$ 53,00 – “Caderno Essencial” incluído

Contato: Irene Monteiro - irene.monteiro@uol.com.br
Tatiana Telink - tatianatelink@gmail.com
cadernoessencial.blogspot.com
Prepare-se para a jornada mais importante da sua vida: você mesmo!

Artimanhas Poéticas (convite)

4 de novembro de 2010

Atentação

Zeca Carvalho
Ramon de Assis
         – Ô homi de Jesus! Isso é hora de chegá em casa? Não adianta me dá discurpa!!!!!!! Às 5 horas eu vi os homi tudo saindo lá do morro que já tinham  terminado de capiná.  E cadê ocê? Cheguei em casa correno, já lavei foi tanque de roupa, já fiz janta, botei os menino todo pra durmi e inté essa hora ocê num me chega em casa. O que cê tava fazendo? Sei, sei que cê tá cansado mas se tivesse cansado tinha vindo pra casa que é lugar de homi direito. Né não?
          E que embruio é esse? Pra mim? Gastou o dinheiro todim comprando besteira... aposto!
          Ara que reeeiva que mi dá quando cê bebe!!!... Pra quê cê bebe tanto homi de deuso? Sei, sei que cê qué me agradá... Intão paspacá qu’eu quero vê o que cê já fez com o dinheiro que era pra comprá os lápis dos minino. Cê num sabia que eles só tavam esperano cê recebê, ô Toinho? Sei... sei o que cê merece... Paspacá esse embrulho. O dinheiro num é seu não sinhô. O salário que recebo cê leva todo pra pagá a conta da venda. Eu que num guento mais essa vida não sinhô. Cansada tô eu!  É cansada docê, dessa vida miserávi... queria vê se eu bebesse todo o dinheiro...
          Por que cê não fala com os minino que cê bebeu os lápidicô deles?
         Janta procê? Num tem não! Quem bebe num tá com fome... Carma não sinhô! Um dia ainda largo ocês tudo e sumo daqui. Arranco o pé na estrada que cê nem vai ouvir falar de mim.
         Que cê trouxe aqui homi? ...Minha nossa senhora das virge! Pra que cê me comprou essas lingüiça toda? cê bebe e já perde a cabeça!... Devia fazer ocê dervorvê tudim lá na venda!
         Comê a lingüiça? Quero é nunca!... A janta que fiz já foi toda... Deixei os minino terminá tudim da janta procê aprendê a chegá cedo em casa!...
          Dá... Paspacá um pedaço disso que vou fritar procê no óleo das batata que inda tá no fogão... Mas homi... ocê tem que ter juízo nessa cabeça! Cê num é mais criança não!... Véio, véio... Cê num tem juízo não?
         Tón... tón tua lingüiça. Pega um pedaço de pão que é de hoji. Eu já ia dar pros pato amanhã... E num me olha torto que eu já disse qui hoje tô boa não.
         E a lingüiça? É da boa mermo? Cheirosa, ela é... Onde cê arrumou isso? Quanto cê pagô por ela?... Eu? Gostei foi nada... cê num pensa...!
          Mas cheiro bom ela tá... Isso a gente pode dizê. Ó de reiva que fiquei num comi foi nada inté agora... Esperano cê a noite toda! Aí... quase 10 da noite.... e ainda vô trabalhá procê... fritano lingüiça essa hora da noite... Isso tem cabimento?
          Sei... eu é que sei que deve tá gostosa. Quero é nada disso não sinhô.
          Nó! chega que tá pingando na mesa!
          Pra quê tô cortando mais? Pra ocê ficar cum dor na cabeça por comê uma hora dessas... Vê se pode!... Ai, como ela pinga toda!
          Pegando mais pão é?  Lá se vai os pão dos pato! É... o fogão ainda tá com chapa quente, deve de ser da reiva que passei pr’ele, si cê qué sabê...
          Vai... Vai... Paspacá essa coisa que eu vô cumê só pra não passá mal cum a barriga vazia... Lava lá os pé e esquenta logo aquela cama que tá gelada de frio.
          Hum... tava boa mermo essa lingüiça heim?... Nunca vi dessa aqui não... Vai que já tô ino... Tá bãããão... Demoro nada não... Ocê num tem mermo jeito... Ói, bóra pra cama bem divagar pra não acordar os menino... Cadê a tranca do quarto?
http://santasticoblog.wordpress.com

2 de novembro de 2010

Invocações (memórias e ficção) (trecho)

Sergio Sant'Anna em "O vôo da madrugada"
            Quantas vezes já não desesperei de mim, diante da impossibilidade de escrever não uma grande obra e sim um simples conto, mas que aplacasse, ainda que por poucos dias, uma ânsia de realização e de beleza? Quantas vezes já não me desesperei diante dessa impossibilidade? Gemi, solitário, dentro de um quarto, abafei gritos, quis bater a cabeça na parede, cheguei a desejar, por causa disso, a morte? E me pergunto: quantos artistas, ou candidatos a serem-no, já não se mataram ao debater-se contra seus limites? Mas quantas outras pessoas de reconhecido talento, ou mesmo de gênio, também já não se mataram por não suportar o tormento e a angústia encravados em seus cérebros? Uma lista tão considerável que nem vale a pena enumerar aqui. Isso para não falar naqueles outros, escritores ou artistas, que terminaram suas vidas em hospícios, ou imersos no alcoolismo, às vezes caído na sarjeta, como se houvesse uma maldição a abater-se sobre eles. Mas quantos malditos no mundo não tiveram nem o consolo da arte?
            Voltando aos que desesperaram delas, a arte ou a literatura, ou mesmo aos que se torturaram de por elas afortunados, qantos já não se colocaram a questão de invocar o Demo para satisfazer seus anseios? para além das histórias em que o próprio Demo toma parte, como o Fausto, de Goethe; o Doutor Fausto, de Thomas Mann; e, mais ambiguamente, o Grande sertão, veredas, de Guimarães Rosa, quem poderá garantir que uma ou outra obra de gênio não foi gerada sob inspiração satânica? Isso, ainda que Satã não passe da agregação de certas forças psíquicas. Mas não seria absurdo supor - apenas supor - que Goethe, Mann, ou mesmo o metafísico Rosa, em alguns momentos da escrita de suas obras, tenham bebido nessa fonte obscura da psique, por que não?
             Na verdade, nunca deixou de pairar sobre o mundo a grande pergunta: existe o Diabo? Talvez se possa dizer que existirá ele se existir Deus, e como contrapartida Dele. Ou não. Mas nem por todo êxito de uma obra invocaria eu Satã. Pois, ainda que houvesse apenas uma possibilidade em milhões de que ele existisse e pudesse apossar-se da alma de alguém em troca de uma grande fortuna artística ou de outra ordem, eu não me arriscaria a invocá-lo. Até porque ficaria muito, muito temeroso se por acaso uma obra começasse a sair-se muito bem e houvesse eu me valido de tal invocação. Mesmo que a obra não passasse de um simples conto, e o contista de um pequeníssimo Fausto.
             O que não quer dizer que eu, este contista, quando em desespero, não possa apelar, seja isso inútil ou até ridículo, para outras invocações, como por exemplo minha mãe morta. Sim, minha mãe, porque jamais, no tempo em que convivi com ela, escutei-a admitir uma dúvida que fosse sobre a existência do Deus dos cristãos, ao Qual se converteu, segundo ela por ter recebido Sua graça, e a Quem seguia com devoção e até fanatismo. Não a vi revoltar-se ou desesperar-se nem mesmo diante das verdadeiras torturas físicas pelas quais passou em longas enfermidades, que lhe custaram, entre muitos outros males, uma perna, que foi forçada a amputar. Rezava muito e diariamente, e o fazia também pelos filhos, dando a entender que velaria por eles depois que já não estivesse mais neste mundo. Rezava ainda em intenção da alam de seus parentes mortos e os invocava: seu adorado pai, que no entanto fora ateu e anticlerical; seus irmãos, falecidos todos antes dela; e a preta velha, Lindolfa, a Bó, que, como uma segunda mãe, fora importantíssima na sua criação e na de seus irmãos. A se confirmarem então os ensinamentos de sua fé, minha mãe seria sobrevivente à morte, transformada em alguma outra espécie de ser, e talvez em condições de ouvir o apelo de que, o leitor pode ter certeza, me vali agora mesmo, enquanto rascunhava este texto:
            "Mãe, esteja onde estiver, acuda este seu filho e faça-o escrever um conto bonito que transforme a sua solidão e angústia em amor e alegria".
             A existência de um ser para além da sua morte é algo em que se pode acreditar ou não - e não posso dizer que creio, pois nada sei -, mas que a idéia e o texto que me vieram imediatamente à cabeça - independentemente do esforço que me custou a sua escrita e de seu modesto valor - sofreram em tudo a interferência da própria e estão com ela intimamente relacionados, disso não há a menor dúvida, como se verá.
            Pois surgiu nítida em mim a lembrança do menino que fui, com seus nove, dez anos, na véspera de um Natal, quando um peru ia ser morto no quintal de nossa pequena casa em Botafogo, isso numa época bem anterior à do surgimento das carnes industrializadas. E preferia-se sacrificar-se a ave em casa, menos de vinte e quatro horas antes do almoço de Natal, a fim de se preparar bem fresca a sua carne. Antes de ser abatido, ficava ali o bicho no quintal, marrado por uma das pernas num arbusto, quanto menos tempo melhor, pois nós, as crianças, não podíamos nem nos permitir gostar dele, porque condenado à morte por nossos próprios pais. mas não resistíamos à curiosidade e íamos várias vezes lá, olhar, simultaneamente fascinados e penalizados, aquela ave esdrúxula. A sentença de morte conferia-lhe uma certa solenidade e tragicidade e, em nosso íntimo, não havia como não nos perguntarmos que direito tínhamos sobre a vida dos animais. O que não nos impedia de atormentar o pobre bicho, cutucando-o com um cabo de vassoura e atirando-lhe pedrinhas. Ao mesmo tempo, diante de seu olhar de medo e raiva, fixo em nós, sentíamos pena dele também pelo que nós lhe fazíamos. E fico aqui pensando que milhões de perus são mortos pelo mundo afora na ocasião do Natal, supostamente para isso. E penso, também, que apesar de serem milhões, cada peru é um peru em especial; este, de que aqui se fala, especialíssimo, porque preservado numa memória e num texto cinquenta anos depois de sua morte, quase como um personagem de conto, porém real, pois a vida o habitou por um breve tempo.
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