O que é bom em literatura? O que vale a pena ler?
A expressão do conceito de literatura acontece no ato crítico, da literatura e sobre a literatura, sob o risco de se tornar um discurso autoritário que clama pelo poder de dizer o que é bom, quem são os modelos, os exemplos canônicos etc. A crítica afinal nunca escondeu o seu caráter cultural, social, histórico e político.
Mas Silvina Lopes e Paulo Roberto Pires, ao exporem as suas teorias, invocam igualmente uma literatura do conceito e sobre o conceito, que busca expressar, compreender ou acessar uma realidade inexplicável e no entanto incontestavelmente exposta. Essa literatura emana talvez do desejo de transcendência do escritor ou do leitor, mas ela se impõe como uma coisa física, que provoca calor, frio, medo, paixão, pensamentos.
De Paulo Roberto Pires, enxuguei os seguintes trechos:
Em O que é a filosofia?, Deleuze e Guattari dizem que a criação de conceitos obedece a três etapas: imanência, insistência e consistência.
Escrever é imergir-se em referências de toda a ordem (criar um campo de imanência), insistir que dali vá sair alguma coisa com vida própria e, finalmente, trabalhar para alicerçar situações e personagens.
Escrever ficção é uma forma, mais difícil do que a não-ficção, de desmontar os clichês que rondam as vidas de todos nós. ... Escrever é a defesa possível para não ser engolido pela obviedade.
Da entrevista da Silvina Lopes, mostro pontos colhidos a partir de sua metade final, com partes grifadas e em livre edição, que me parecem conversar bem com os trechos de Paulo Roberto. Abstenho-me de comentários.
A Poiesis escapa à finalidade, ao exercício de uma função. Aquilo que se escreve tem que valer enquanto aquilo que é escrito e não porque foi escrito a partir de... E nisto não há qualquer falta de reconhecimento, não há uma ingratidão em relação àquilo de que se partiu. O próprio escrever já é a gratidão; o próprio pensar já é um gesto de gratidão, já é um gesto de louvor, de exaltação...
O pensamento da escrita enquanto leitura, e vice-versa, tem consequências, ao mostrar que em cada lance se joga a responsabilidade de quem escreve, a responsabilidade de haver futuro.
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Aqui iniciamos uma série de postagens, de entrevisões da literatura, frutos da esgrima crítica e conceitual com a necessária fruição e gozo, tanto na leitura quanto na escrita.
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