22 de dezembro de 2010

Rapidinha 5

Arlette Santos
          Como acontece quase todos os dias, após o café saí para caminhar um pouco e comprar algo para completar a despensa. Sempre falta alguma coisa.
          Antes de atingir a Avenida 28 de Setembro, ainda na Visconde de Abaeté, encontro uma velha conhecida. Rapidamente, "me baixa o arquivo": Curso Normal na Escola Carmela Dutra, em Madureira, colega de minha irmã. Foi professora na escola dos meus filhos. Por coincidência, passávamos férias em Lambari. Ficamos camaradas. Nossos filhos tomaram seus rumos, ela mudou de apartamento, ainda mora em Vila Isabel. Creio que não nos víamos há uns dois anos. Mas todo este passado esvoaçou. Sua reação, ante a minha presença, é que me fez pensar. Junto com a alegria do reencontro, ela demonstrou uma tremenda surpresa. Por que será? Como se eu não soubesse.

19 de dezembro de 2010

Livro pra escrever (a colagem leitura-escrita)

Bia Albernaz
    A idéia de desenvolver um texto sobre a relação entre a escrita e a leitura surgiu primeiramente pelo desejo de consolidação do meu trabalho como professora de diferentes cursos de redação criativa, mas também especificamente a partir de um outro artigo que redigi sobre bibliotecas escolares. Nele, encontram-se listados sete desafios para os profissionais da área, dentre os quais a necessidade de preparar a biblioteca não só como um lugar de leitura mas também de escrita. Isso porque um leitor faz anotações, escreve enquanto lê. De fato, testemunha-se tal necessidade, mesmo que satisfeita de forma indevida, pela enorme quantidade de livros sublinhados que somos obrigados a consultar. É óbvio portanto que o impulso existe.
No New Yorker há um artigo de Ian Frazer sobre a marginalia em livros que pertenceram a escritores famosos.
Como os métodos de criação e ordenação de notas dá forma a um manuscrito "final", venha ele a ser publicado ou não? Perguntas como esta serviram de base para um curso oferecido pelo Max Planck Institute for the History of Science.
      O leitor-escritor, principalmente o pesquisador ou o estudante, transcreve frases, destaca palavras e rascunha pensamentos, dúvidas e associações com outros autores, absorvendo, pelo processo da escrita, as diversas leituras subjacentes a um texto, direcionando-as desse modo para um texto único. Um texto, tal como diz Michel Schneider, é feito desse modo: por fragmentos, combinações, acidentes, reminiscências, empréstimos[1]. Muitas vezes, escritores escrevem a partir de um vazio, de interrogações e insatisfações deixados por um livro ou uma série deles, o que se coaduna com a imagem da leitura como navegação. Os livros, como guardiões de saberes móveis, melhor sorte não poderiam ter do que poder espalhar tais saberes em novos textos.
    Escrita e leitura não são processos separados. Se assim fossem, estariam condenados a uma existência congelada, coisificada e não alcançariam o ápice de suas vidas – a recriação do leitor e do mundo. De fato, essa vida paralela que gravita ao redor dos textos consiste naquilo que nos acostumamos chamar de “interpretação”, atividade “entre” a leitura e a escrita. Quando lemos-escrevemos, pensamos e saímos do automático, em atenção ao não-dito, ao invisível, ao ainda não pensado. No entanto, Richard Mitchell, autor de “The underground grammarian”, observa o modo como fugimos ou de como somos impedidos de exercer a responsabilidade da verdade no ato da escrita; da coragem de assumir posições ou incertezas por escrito, dirigidas a leitores concretos. Ao invés disso, aprendemos a cultivar uma torrente de eufemismos e generalizações suavizadas que, aos poucos, passamos a identificar com a própria escrita [2].
    Uma vez, ouvi de um advogado: “por escrito? Nem carta para a namorada!” Ora, a escrita compromete porque traduz pensamentos, constituindo-se como símbolo ou celebração dessa atividade essencial para sermos humanos. Mas, a fim de fugir de compromissos, ao longo de nossa formação, aprendemos a obstruir as passagens entre vida interior e exterior, o que transforma a escrita em um tormento, em uma arte de preencher linhas, sem nada dizer nas entrelinhas. Escreve-se para agradar professores ou editores preocupados em atender um mercado no qual leitores padronizados esperam textos tipificados. Felizmente essa regra não consegue deter a produção solitária de escritores criativos que insistem em se comprometer, em provocar nos leitores a felicidade de entrever o novo, de apreender algo nunca antes pensado.
    O solitário traz o singular. A solidão é necessária ao ato da escrita. Tal afirmação choca-se com o esforço socializador empreendido pela escola, pela família, enfim, pelas instituições formadoras. Choque produtivo, contudo, à medida que essas mesmas instituições se dão conta da dificuldade de crianças, jovens ou adultos aprenderem sem desenvolverem a capacidade de estar só. Pela indissolúvel relação entre leitura e escrita, compreendemos: a solidão pode encontrar outra solidão, a diferença possibilita a identidade.
Referências:
[1] Apud JACOB, Christian. “Ler para escrever: navegações alexandrinas”. In: O poder das bibliotecas – a memória dos livros no Ocidente. Trad. Marcela Mortala. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000, p. 67.
[2] Richard Mitchell pôs na rede todos os seus livros. Cf no site http://www.sourcetext.com/grammarian/ (disponível em 17/10/09). 

17 de dezembro de 2010

Rebeldia dramática

          Onde há dor e prazer, impetuosidade da liberdade, e defesa apaixonada do direito e da verdade, ou do amor e da ambição, há pathos, problema, condições de drama. O arrebatamento patético diferencia-se do êxtase lírico, ainda que muitas vezes um se transforme no outro. Antígona vive de seu objetivo. Não se limita à realidade atual e suas leis, ela antecipa a realidade que virá a ser. Tudo parece inverossímil e ao mesmo tempo está dentro da capacidade de percepção humana. Antígona dirige-se a si mesmo e impetuosamente blasfema (e atua) contra a lei. Em sua atuação, misto de agir e dizer, procura persuadir a si mesma e aos outros da estranha condição de sua existência no mundo.   
Cf. “Conceitos fundamentais da poética” de Staiger
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Impetuosidade nascida da vontade de potência
Antigona - aspirante a atriz em 1953 - Univ. Católica da América em Washington.
ISMENE – Vais enterrá-lo contra a interdição geral?
ANTÍGONA – Ainda que não queiras ele é teu irmão / e meu; e quanto a mim, jamais o trairei.
ISMEME – Atreves-te a enfrentar as ordens de Creonte?
ANTÍGONA – Ele não pode impor que eu abandone os meus.
ISMENE – Pobre de mim! Pensa primeiro em nosso pai, / em seu destino, abominado e desonrado, / cegando os próprios olhos com as frementes mãos / ao descobrir os seus pecados monstruosos; / também, valendo-se de um laço retorcido, / matou-se a mãe e esposa dele – era uma só – / e, num terceiro golpe, nossos dois irmãos / num mesmo dia entremataram-se (coitados!), / fraternas mãos em ato de extinção recíproca. / Agora que restamos eu e tu, sozinhas, / pensa na morte inda pior que nos aguarda / se contra a lei desacatarmos a vontade do rei e a sua força. E não nos esqueçamos / de que somos mulheres e, por conseguinte, / não podemos enfrentar, só nós, os homens. / Enfim, somos mandadas por mais poderosos / e só nos resta obedecer a essas ordens / e até a outras inda mais desoladoras. / peço indulgência aos nossos mortos enterrados / mas obedeço, constrangida, aos governantes; / ter pretensões ao impossível é loucura.
ANTÍGONA – Não mais te exortarei e, mesmo que depois / quisesses me ajudar, não me satisfarias. / Procede como te aprouver; de qualquer modo / hei de enterra-lo e será belo para mim / morrer cumprindo esse dever: repousarei / ao lado dele, amada pro quem tanto amei / e santo é o meu delito, pois terei de amar / aos mortos muito, muito tempo mais que aos vivos. / Eu jazarei eternamente sob a terra / e tu, se queres, foge à lei mais cara aos deuses.
ISMENE – Não fujo a ela; sou assim por natureza; / não quero opor-me a todos os concidadãos.
ANTÍGONA – Alega esses pretextos, mas não deixarei / sem sepultura o meu irmão mais querido.
ISMENE – Ah! Infeliz! Quanto preocupação me causas!
ANTÍGONA – Não deves recear por mim; cuida de ti!
“Antígona”, Sófocles, trad. Mário da Gama Kury.

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    Apenas uma certeza, a situação atual não pode se manter
"Um copo de cólera" (1988). Dir. de Aluízio Abranches, com Alexandre Borges e Julia Lemmertz
E quando cheguei à tarde na minha casa lá no 27, ela já me aguardava andando pelo gramado, veio me abrir o portão pra que eu entrasse com o carro, e logo que saí da garagem subimos juntos a escada pro terraço, e assim que entramos nele abri as cortinas do centro e nos sentamos nas cadeiras de vime, ficando com nossos olhos voltados pro alto do lado oposto, lá onde o sol ia se pondo, e estávamos os dois em silêncio quando ela me perguntou “que que você tem?”, mas eu, muito disperso, continuei distante e quieto, o pensamento solto na vermelhidão lá do poente, e só foi mesmo pela insistência da pergunta que respondi “você já jantou?” e como ela dissesse “mais tarde” eu então me levantei e fui sem pressa pra cozinha (ela veio atrás), tirei um tomate da geladeira, fui até a pia e passei uma água nele, depois fui pegar o saleiro do armário me sentando em seguida ali na mesa (ela do outro lado acompanhava cada movimento que eu fazia, embora eu displicente fingisse que não percebia), e foi sempre na mira dos olhos dela que comecei a comer o tomate, salgando pouco a pouco o que ia me restando na mão, fazendo um empenho simulado na mordida pra mostrar meus dentes fortes como os dentes de um cavalo, sabendo que seus olhos não desgrudavam da minha boca, e sabendo acima de tudo que mais eu lhe apetecia quanto mais indiferente eu lhe parecesse, eu só sei que quando acabei de comer o tomate eu a deixei ali na cozinha e fui pegar o rádio que estava na estante lá da sala, e sem voltar pra cozinha a gente se encontrou de novo no corredor, e sem dizer uma palavra entramos quase juntos na penumbra do quarto. 
“Um copo de cólera”, Raduar Nassar
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A cena como um clarão
Kazuo Ohno em foto de Eikoh Hosoe
        A ação do pathos pressupõe resistência – choque brusco ou simples apatia – que tenta romper com ímpeto. O ritmo complicado no pathos não nos contagia (como na disposição anímica), e sim purifica a atmosfera com pancadas rudes como as de uma tempestade. A comoção patológica não necessita da consciência, nem saber de sua origem ou finalidade. Investe-se contra o status quo, mesmo sem querer, pois sente-se a tensão presente-futuro.
       No texto dramático, palavras e gestos co-atuam; o leitor percebe arte e realidade co-atuantes. O personagem dramático ou herói patético consome-se em sua individualidade, arrebata-se pelo pathos, e o artista dramático deixa que as razões históricas sobreponham-se às estéticas.
Staiger

14 de dezembro de 2010

Rebeldia épica - caminho mais importante do que meta

Circe transformando os homens de Ulisses em bestas - Giovanni Benedetto Castiglione
 O autor épico não avança para alcançar o alvo e sim, de antemão, dá-se um alvo, para onde ele avança, examinando tudo em volta atenciosamente. O herói épico demonstra reflexão. A força de sua alma atua tão livremente que ela pode separar uma onda por assim dizer dentre todo o oceano de sentimentos que lhe corre por todos os sentidos; pode sustê-la, dirigir a ela a atenção e tornar-se consciente de que percebe essa atenção. No texto épico, o caminho é mais importante do que a meta. (cf. Staiger em "Conceitos fundamentais da poética") 
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Na épica, não há como escapar do destino. O que o autor mostra é como, em cada ação por menor que seja, ele já está presente e atuante, tal como se percebe neste trecho da "Odisséia", de Homero, trad. Jaime Bruna:
          Escapamos, por fim, aos rochedos e à terríveis Caríbdis e Cila. Chegamos logo à magnífica ilha do deus, onde havia belas vacas de fronte larga e muitas nédias ovelhas de Helio Hipérião. Então, ainda no mar, a bordo do escuro barco, ouvi os mugidos das vacas ao relento e os baldios das ovelhas. Assaltaram meu coração as palavras do cego adivinho, o tebano Tirésias, e as de Circe de Eéia, que tanto me recomendou evitasse a ilha de Helio, alegria dos homens. Falei, por fim, aos companheiros, com peso no coração:
          - Escutai, companheiros, as minhas palavras, por mais que estejais sofrendo, para eu vos revelar os vaticínios de Tirésias e os de Circe de Eéia, que tanto me recomendou evitasse a ilha de Helio, alegria dos homens, pois ali, disse ela, está nosso perigo mais terrível. Por isso, tocai o negro barco ao largo da ilha.
          Assim falei e o coração se lhe partiu. Prontamente me respondeu Euríloco com palavras odiosas:
          - Tu és cruel, Odisseu; tens robustez incomum e teus membros não se cansam. Deves tê-los todos feitos de aço, tu que, em vez de permitires aos companheiros, mortos de cansaço e de sono, que ponham pé em terra, quando podemos preparar uma ceia saborosa numa ilha em meio das ondas, mandas continuar errando pela rápida noite, no brumoso mar, arredados da ilha. Nascem da noite os ventos ruins, perdição dos navios. Como se pode escapar a um fim abismal, se vier de surpresa uma borrasca de Noto, ou de Zéfiro violento, ventos que mais embarcações despedaçam até sem aprovação dos deuses soberanos? Não! Atendamos agora ao convite da negra noite; preparemos uma ceia sem nos afastarmos do ligeiro barco. Quando clarear, embarcaremos e singraremos o vasto mar.
         Assim falou Euríloco e os demais tripulantes o apoiaram. Reconheci, então, que um deus meditava nosso infortúnio e, proferindo aladas palavras, lhes disse:
         - Verdadeiramente, Euríloco, vós me constrangeis porque sou um só; eia, porém, prestai-me todos um poderoso juramento de que, se depararmos uma manda de vacas ou grande rebanho de ovelhas, ninguém por seu ruim desatino matará uma vaca ou uma ovelha, satisfazendo-vos com a comida que Circe imortal nos forneceu.

13 de dezembro de 2010

Rebeldia lírica - Disposição anímica

“Conceitos fundamentais da poética”, Staiger
Ouça um trecho desta obra de Stockausen. Olhe qualquer coisa enquanto escuta, coloque-se na coisa e a coisa em você. E escreva .
          Chegou a hora de nos voltarmos para o conceito fundamental da “disposição anímica” (Stimmung). Não se trata da constatação de uma situação da alma. A “disposição” já foi, aliás, compreendida como tal, como objeto artificial da observação. Originalmente, porém, a disposição não é nada que exista “dentro” de nós; e sim, na disposição estamos maravilhosamente “fora”, não diante das coisas mas nelas e elas em nós.
           A disposição apreende a realidade diretamente, melhor que qualquer intuição ou qualquer esforço de compreensão. Estamos dispostos afetivamente, quer dizer possuídos pelo encanto da primavera ou perdidos no medo do escuro, enebriados de amor ou angustiados, mas sempre “tomados” por algo que espacial e temporalmente – como essência corpórea – acha-se em frente de nós.
           É portanto lógico que a língua fale tanto da disposição da noite como da disposição da alma. Ambos são uma e a mesma coisa sem distinção. As palavras de Amiel “un paysage quelconque est um état de l’âme” (qualquer paisagem é um estado de alma) reafirmam-se aqui. Tal frase não se adapta apenas à paisagem. Todo ente em disposição é antes estado que objeto. Este ser estado é o modo de ser do homem e da natureza na poesia lírica.

10 de dezembro de 2010

Apresentação da personagem por ela mesma

Beth Brait em "A personagem"
          Quando a personagem expressa a si mesma, a narrativa pode assumir diversas formas: diário íntimo, romance epistolar, memórias, monólogo interior. Cada um desses discursos procura presentificar a personagem, expondo sua interioridade de forma a diminuir a distância entre o escrito e o “vivido”. No artifício do diário, o emissor, a voz narrativa, não pressupõe um receptor. Dessa forma, cada página procura expor a “vida” à medida que se desenvolve, flagrando a existência da personagem nos momentos decisivos de sua existência, ou pelo menos nos momentos registrados como decisivos.
          No romance epistolar, assim como nas memórias, o aparente monólogo narrativo tem, diferentemente do diário, um receptor em mira, ainda que esse destinatário não esteja implicado nos acontecimentos. Por meio desse recurso, a caracterização da personagem num tempo passado que é recuperado pela narrativa funciona como uma maneira sutil, um pretexto para mostrar o presente e as nuances da interioridade.
          O monólogo interior é o recurso de caracterização de personagem que vai mais longe na tentativa de expressão da interioridade da personagem. O leitor se instala, por assim dizer, no fluir dos “pensamentos” do ser fictício, no fluir de sua “consciência”. Das narrativas contemporâneas, o Ulisses de James Joyce é a obra que tem merecido destaque pela primorosa utilização desse recurso que permite, ao longo do romance, expor o fluir caótico do jorro da consciência das personagens, traduzindo a integridade de cada uma.

Sim porque ele nunca fez uma coisa como essa antes como pedir pra ter seu desjejum na cama com um par de ovos desde o hotel City Arms quando ele costumava fingir que estava de cama com voz doente fazendo fita para se fazer interessante para aquela velha bisca da senhora Riordan que ele pensava que tinha ela no bolso e que nunca deixou pra nós nem um vintém tudo pra missas para ela e para alma dela grande miserável que era com medo até de soltar 4 x. para seu espírito metilado me contando com todos os achaques dela com aquela (.. .).
          
          Essas são apenas algumas linhas do longo monólogo de Molly Bloom, mulher de Leopold Bloom, que ocupa mais de cem páginas do final do romance. A radicalização dessa forma de caracterizar a personagem, flagrada na ausência de pontuação, no volume de sintagmas que se sucedem de forma a reproduzir um jorro de consciência que obedece a um mínimo de sintaxe, permite a confluência de conteúdos psíquicos díspares e a reprodução dos movimentos alógicos dos pensamentos apanhados em seu estado de nascimento     e/expressão.

          Também na escritura de Virgínia Woolf e Marcel Proust podem-se encontrar os monólogos de reminiscência e antecipação, as passagens de impressões sensoriais, os ritos de identificação personagem-narrador e até a eliminação total do “eu” narrativo, como acontece em algumas obras de Ricardou Ollier e Robbe-Grillet, com o claro intuito de revelar níveis da vida mental dificilmente explorados ou apreensíveis por outros meios. Além disso, essa técnica possibilita a apreensão da interioridade da personagem, de forma a expor a maneira como a consciência percebe o mundo.
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Pessoas X Personagens

Antônio Cândido em "A personagem de ficção"
Quando abordamos o conhecimento direto das pessoas, um dos dados fundamentais do problema é o contraste entre a continuidade relativa da percepção física (em que fundamos o nosso conhecimento) e a descontinuidade da percepção, digamos, espiritual, que parece freqüentemente romper com a unidade antes apreendida. No ser uno que a vista ou o contato nos apresenta, a convivência espiritual mostra uma variedade de modos-de-ser, de qualidades por vezes contraditórias.

Na vida, estabelecemos uma interpretação de cada pessoa, a fim de podermos conferir certa unidade à sua diversificação essencial, à sucessão dos seus modos-de-ser. No romance, o escritor estabelece algo mais coeso, menos variável, que é a lógica da personagem. A nossa interpretação dos seres é mais fluída, variando de acordo com o tempo ou as condições da conduta. No romance, podemos variar relativamente a nossa interpretação da personagem; mas o escritor lhe deu, desde logo, uma linha de coerência fixada para sempre, delimitando a curva da sua existência e a natureza de seu modo-de-ser. 
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