3 de maio de 2011

Ensaio Trágico

Mgrilo
                   Observando o quadro intitulado “O importuno” do pintor brasileiro Almeida Jr., podemos contemplar um bom desenho, uma técnica de pintura apreciável e uma idéia insólita.
                   A tela é de 1898, o assunto é a modelo com o pintor no atelier do artista surpreendidos por alguém  que bate na porta, enquanto a moça se veste rapidamente. No quadro, reparamos um cavalete com uma tela de um nu artístico inacabado. O pintor atende à porta segurando a palheta e os pincéis. Um ano depois, o artista foi assassinado no meio da rua com uma  punhalada do marido da modelo.
                   Mas onde o poeta errou? Sabemos que poetas devem ter os pés na lama, os olhos no firmamento e uma arma na mão. Errou com sua arma, a palheta e as cores? Errou na falta de contundência dos pincéis de um Caravaggio? Não. Mas errou quando, recusando todas as propostas que teve para ficar no Rio de Janeiro, voltou para se chafurdar no lodaçal da vida pobre e provinciana dos habitantes da cidade de Itu no final do século XIX.
                   Sonhando com as estrelas o artista solteirão de quarenta e poucos anos não percebeu que a porta de seu estúdio era o acesso ao inferno das feiosas que nunca iriam posar para ele, e da maioria dos homens da cidade que não passavam de mal remunerados comerciários e servidores públicos  que nunca iriam perdoar a boa vida que levava.
                   E foram esses invejosos com línguas ferinas, cartas anônimas e indiretas que induziram uma sanguinária lavagem da honra por parte do ignorante esposo traído.
                   Mais uma vez a vida importuna imita a arte, e nos ensina como é difícil ser poeta em qualquer época.

2 comentários:

  1. Camila! Saudade também. De seus textos límpidos, de sua afeição pelo Bukowski, da mistura de literatura e playmobil. E hoje, novos temperos?

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