1 de novembro de 2011

Meu Rio de Janeiro

J.Carlos
Arlette Santos
          Maricotinha – como carinhosamente a chamam em família – não nasceu no Rio de Janeiro, mas considera-se carioca. Não há argumentos que a façam duvidar desta afirmação. Pouco importa o que pensem os intelectuais, o que está escrito no Aurélio ou no Houaiss, o que vale para ela é o que sente, resultado de quase sete décadas aqui vividas.
          Está com oitenta anos e se orgulha da coincidência de ter nascido no mesmo ano em que foi inaugurado o Cristo Redentor, que além de ter sido construído em local privilegiado parece representar um Deus verdadeiro – forte, altaneiro, como a dizer: Aqui estou, agora e sempre, abençoando e protegendo aqueles que aqui moram e os que vêm de terras próximas e longínquas para me reverenciar.
          O número de pessoas importantes nas áreas política, cultural, jornalística e televisiva que neste ano completam oitenta anos é bem significativo, mas para Maricotinha o que importa e traz orgulho é anonimamente manter este vínculo com o Cristo Redentor.
          Em junho de 1943, o mundo vivia os horrores da Segunda Guerra Mundial. Sua família, na expectativa de encontrar novos rumos, mudou-se de uma das cidades serranas do estado do Rio de Janeiro para a capital, indo morar em Quintino Bocaiúva, subúrbio da Central do Brasil. Apesar das circunstâncias desfavoráveis – pai sem emprego fixo, família numerosa (eram nove irmãos), produtos racionados (açúcar, por exemplo, era limitado à quantidade prevista em uma cartela, de acordo com o tamanho da família) – sentiu-se abençoada: a chegada ao Rio viajando de trem numa manhã fria do dia de São João a excitava. Conhecer novos bairros, ver o mar pela primeira vez, cruzar a Baía de Guanabara e chegar a Niterói – quanta emoção! Em sua cabeça de menina pobre só passavam pensamentos positivos: iria crescer nesta cidade, estudar, ter um emprego. Tudo iria mudar, e para melhor.
          A adaptação foi tranqüila. No bairro em que moravam a criançada brincava nas ruas despreocupadamente. Os portões estavam sempre abertos. Não havia grandes desníveis sociais entre seus moradores. A convivência era alegre e pacífica. Maricotinha e seus irmãos frequentaram uma das escolas públicas do bairro. As professoras eram formadas pelo Instituto de Educação – tradicional colégio situado na Rua Mariz e Barros. Usei a profissão no feminino porque naquela época só meninas frequentavam a Escola Normal. Bem mais tarde é que foi permitido o ingresso de rapazes, e demorou ainda muito tempo para que, em contrapartida, as moças viessem a ingressar no Colégio Militar.
          Descendia de imigrantes portugueses, tanto pelo lado paterno como materno. Devido à idade, seu mundo era bem pequeno, porém feliz. Só depois de estarem no Rio de Janeiro tiveram seu primeiro rádio. As notícias passaram a encher suas vidas, e o mundo ganhou novas proporções. Ainda hoje, parece ouvir o comentarista do Repórter Esso dando a notícia do término da Segunda Guerra, e reviver a emoção que tomou conta da cidade enquanto desconhecidos se abraçavam e comemoravam a chegada daquele momento tão ansiado.
          Conseguiu se formar, fez concurso e se tornou funcionária pública. O tempo passou. Hoje ela acompanha com interesse o que se passa no Brasil e no Mundo, mas sente no mais íntimo do seu ser o que se passa neste seu Rio de Janeiro: vibra com suas vitórias, sofre com suas derrotas. Ao tomar conhecimento de fatos como o ocorrido no bairro de Santa Teresa – com o descarrilhamento do bondinho e a morte de cinco pessoas, seu coração se acelera.
          Neste ano em que as autoridades agem no sentido de nos preparar para os dois eventos internacionais que aqui serão realizados, a cidade fervilha, parecendo um grande canteiro de obras. Crescem expectativas e inquietações: será que haverá tempo? Teremos pessoal numerica e tecnicamente capacitado para realizar tantas obras importantes? Sua cabeça está a mil: pela manhã lê o jornal, durante o dia assiste aos telejornais. Quer se inteirar do que está acontecendo.
          As lembranças de fatos ocorridos nesta longa jornada a fazem ficar ligada ao que acontece hoje. Recorda-se de um dito popular muito usado em nossa cidade – bola pra frente! – e aí antigas e novas imagens aparecem: o Maracanã e o Engenhão. Em 1950, a Copa do Mundo realizou-se no Brasil: a inauguração do Estádio do Maracanã, a derrota da seleção brasileira para o Uruguai no último jogo, e lá estava ela! Difícil descrever o sentimento que os dominou. E agora aqui está, acompanhando a grande obra de reconstrução do velho Maracanã para servir como sede aos dois próximos eventos mundiais: Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016.
         Infelizmente, vivemos num país cheio de conflitos: extrema miséria, ostentação desenfreada e preconceitos que, embora sejam considerados crimes previstos em lei, confundem sua cabeça e às vezes abatem seu ânimo. E é aqui, mais uma vez, que a experiência de vida vem trazer perspectiva diante das dificuldades: lembrando-se dos colegas do grupo escolar que frequentou, do humor das pessoas que, apesar dos fatos angustiantes que as atingiam frequentemente, mantinham o alto astral, acredita que o carioca ainda conserva sua característica de enfrentamento e superação de limites com bom-humor e perseverança. E espera conservar-se saudável mental e fisicamente, para poder assistir e participar destes eventos que marcarão a história de nossa cidade.

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