24 de novembro de 2009

Carta aos Medrosos

   mgrilo
             Quem faz adaptações da literatura para o teatro está substituindo seu talento pelo ócio intelectual, e com esse papel de artista passivo evitando escolhas e conflitos  não percebe  a fascinante linguagem poética própria de cada arte maior e  a impossibilidade de transferência de uma para a outra  nesse mesmo nível poético.
                E são esses mesmos que, junto aos pseudo dramaturgos e acadêmicos dessa área, falam da morte do teatro e da dramaturgia, e ainda acreditam que marchar com os tempos é assumir fórmulas existentes – as opiniões autorizadas – sem se libertar desses parteiros e seus monstrinhos trazidos ao mundo.
                Nos debates do Teatro Casa Grande em 1973, o jornalista e dramaturgo Plínio Marcos (autor da peça perfeita “Dois Perdidos Em Uma Noite Suja”) fez a seguinte observação: “ O Teatro se finge de morto, para ver quem aparece no enterro”, e o primeiro a velar o extinto foi Aristóteles.
              Estudando os grandes textos da dramaturgia grega, cinquenta anos após a última grande peça a ser encenada, Aristósteles se tornou o primeiro critico da história do teatro (sua concepção do conceito kátharsis ainda não tem registro prático na dramaturgia mundial, apesar de ser admirável) mas ao se emplumar com regras em sua POETICA  querendo ser considerado uma fênix, por pura malícia essa  avis rara foi mesmo classificada é de defaecare lex.
              O segundo a aparecer no velório foi Hegel, em uma época em que as peças ainda eram encenadas com os atores declamando para a platéia, com total falta de ação no palco e à luz de velas, peças de seus contemporâneos Goethe e Schiller. E sem perceber que a roupa do defunto era maior , provocava sombras com a luz trêmula das velas nas cortinas do teatro assustando os espectadores  que, ao lerem suas regras da ação dramática em sua ESTÉTICA, logo desconfiaram que se tratava de uma migração da defaecare lex.
                E nesses tempos modernos, como uma carpideira dialética, aparece Brecht (“Galileo Galilei”, de sua autoria, está entre o melhor da dramaturgia), anunciando a saída do féretro no seu PEQUENO ORGANON, se empenando como um Ìcaro Proletário e agitando furiosamente os braços gritando uma paródia de si mesmo: “precisamos destituir a platéia e eleger outra!”, assombrando os cidadãos que logo verificaram se tratar de uma extraordinária reprodução em cativeiro  da defaecare lex.
               Com uma prosa clara e honesta, Guilherme Figueiredo  ensina sobre dramaturgia ("Cartilhas de Teatro VI", SNT/73) mas foi sábio o suficiente para deixar registrada essa intenção: “Esqueça as regras e escreva o que  achar melhor”, nos livrando da migração dessa avis rara, que por aqui seria conhecida como defaecare lex brasilis.
               Acho que iniciamos o ano 453 da degustação do Bispo Sardinha.

Um comentário: