Trechos retirados do livro Comunicação em prosa moderna de Othon Garcia
A colocação das palavras na frase constitui um dos processos mais comuns e mais eficazes para dar relevo às idéias. O que determina a ordem dos elementos na frase é o rumo do raciocínio, a seqüência lógica, a clareza e a ênfase.
Ordem direta: 1) sujeito, 2) verbo e 3) complementos essenciais.
Mas a inversão pode dar à frase mais vigor e mais energia, i. é, mais ênfase, realce ou relevo:
- Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. [direta]- O homem, criou-o Deus à sua imagem e semelhança.
- À sua imagem e semelhança, criou Deus o homem.
- Criou Deus o homem à sua imagem e semelhança.
Na conhecida narrativa de Alexandre Herculano,“O rei e o arquiteto”, a resposta de Afonso Domingues, se construída em ordem direta, não chegaria a revelar toda a indignação de que se sentiu possuído o velho arquiteto cego por ter o rei dado a outro o cargo de mestre-de-obras do mosteiro de Santa Maria. A sobrecarga afetiva decorre em grande parte da ênfase resultante da anteposição dos predicativos “arquiteto” e “sabedor”.
"Arquiteto do mosteiro de Santa Maria, já não o sou; Vossa Mercê me tirou esse encargo; sabedor nunca o fui, pelo menos assim o crêem e alguns o dizem."
Na inversão dos termos, é comum o torneio pleonástico (arquiteto... já não o sou).
***
Frases típicas do estilo jornalístico- Ênfase no quem referente ao protagonista:
Pedro da Silva, pedreiro, de trinta anos, residente na Rua Xavier, 25, Penha, matou ontem, em Vigário Geral, seu colega Joaquim de Oliveira, com uma facada no coração, porque não lhe quis pagar uma garrafa de cerveja.
- Ênfase no quem referente ao antagonista:
Joaquim de Oliveira foi assassinado ontem, em Vigário Geral, com uma facada no coração, dada por seu colega Pedro da Silva, por ter se negado a pagar-lhe uma garrafa de cerveja.
- Ênfase no como:
Com uma facada no coração, Pedro da Silva matou ontem seu colega... etc.
- Ênfase no quando:
Ontem, em Vigário Geral, Pedro da Silva, matou... etc.
***
Adjetivos ou locuções também podem ser invertidos para dar realce e, em certos casos, exprimem caracterização concreta quando pospostos, e abstratas quando antepostos: homem grande e grande homem, homem pobre e pobre homem, período simples e simples período.
***
Os adjuntos adverbais, em geral, vêm juntos do verbo, pospostos ou antepostos, conforme a seqüência lógica, a clareza, a ênfase e a harmonia da frase. Não há regras para sua colocação mas recomenda-se: 1) iniciar com ele ou eles a oração, se se pretende dar-lhes maior realce; 2) evitar deslocações que possam tornar a frase ambígua ou obscura.
Observe-se a gradação enfática do adjunto “antes do jantar” nas diferentes posições que ocupa nas seguintes versões do mesmo período:
a) Eu, antes de jantar, costumo ler o jornal.Observe-se a gradação enfática do adjunto “antes do jantar” nas diferentes posições que ocupa nas seguintes versões do mesmo período:
b) Antes de jantar, eu costumo ler o jornal.
c) Costumo ler o jornal antes de jantar.
d) Costumo ler, antes de jantar, o jornal.
e) Costumo antes de jantar, ler o jornal.
Parece que a melhor versão é aquela em que o adjunto ganha maior relevo, colocado no princípio da frase. As intercalações nas versões a), d) e e) aparentemente interrompem a cadência da frase, sobretudo em d), onde os dois grupos de força – costumo ler e antes do jantar – tem uma extensão e uma cadência diversas do terceiro – o jornal. O período se tornaria mais harmonioso se se fizessem similicadentes os três grupos de força, isto é, os três estágios rítmicos da frase, alongando-se o terceiro com um adjunto adequado: Costumo ler, antes do jantar, o jornal da tarde.
A versão b) é mais enfática por ser mais comum na corrente da fala ou é mais comum por ser mais enfática? Antes do jantar deixa em suspenso o sentido do resto da frase, sentido que só vai se completar com o termo jornal.
A versão b) é mais enfática por ser mais comum na corrente da fala ou é mais comum por ser mais enfática? Antes do jantar deixa em suspenso o sentido do resto da frase, sentido que só vai se completar com o termo jornal.
***
Questões quanto ao realce pela posição no final- O meu melhor amigo, Joaquim Carapuça, pai da Estela, é um político de grande futuro.
- É um político de grande futuro, Joaquim Carapuça, pai da Estela e meu grande amigo.
Na segunda frase, o sentido mais importante está completo na oração enunciada logo de saída, os termos secundários (pai da Estela e meu grande amigo), ao invés de se destacarem, tornam-se quase supérfluos, já que o entendimento do essencial da comunicação deixa de depender deles.
***
Matizes semânticos e enfáticos como decorrência da posição da partícula sóa) Só ele ganhou mil cruzeiros pela remoção do lixo acumulado durante duas semanas.
b) Ele só ganhou mil cruzeiros pela remoção do lixo acumulado durante duas semanas.
c) Ele ganhou só mil cruzeiros pela remoção do lixo acumulado durante duas semanas.
d) Ele ganhou mil cruzeiros só pela remoção do lixo acumulado durante duas semanas.
e) Ele ganhou mil cruzeiros pela remoção só do lixo acumulado durante duas semanas.
f) Ele ganhou mil cruzeiros pela remoção do lixo só acumulado durante duas semanas.
g) Ele ganhou mil cruzeiros pela remoção do lixo acumulado só durante duas semanas.
h) Ele ganhou mil cruzeiros pela remoção do lixo acumulado durante só duas semanas.
i) Ele ganhou mil cruzeiros pela remoção do lixo acumulado durante duas semanas só.
***
Por vezes, a simples deslocação de uma adjunto adverbial torna as idéias obscuras ou incoerentes:
- O protagonista da história diz que não quer casar no primeiro capítulo, mas já concorda em fazê-lo no quarto.- Estou pronto a discutir com você, quando quiser, esse assunto.
Casos como esses levam-nos a contrapor a regrinha da ênfase (“coloque em posição de destaque as palavras de maior relevância”) às da clareza e da coerência: aproxime tanto quanto possível termos ou orações que se relacionem pelo sentido. Eis as três qualidades primordiais da frase: clareza, coerência e ênfase.
***
A gradação é um recurso tanto de ênfase quanto de coerência, consiste em colocar em dispor as idéias em ordem crescente ou decrescente de importância: “Anda, corre, voa, se não perdes o trem” (crescente); “Uma palavra, um gesto, um olhar bastava" (decrescente).
- Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. (Vieira)
- [O regato] corria murmuroso e descuidado; encontrou o obstáculo: cresceu, afrontou-o, envolveu-o, cobriu-o e, afinal, o transpõe...
Se a repetição resultante da pobreza de vocabulário ou de falta de imaginação para variar a estrutura da frase pode ser censurável, a repetição intencional representa um dos recursos mais férteis de que dispõe a linguagem para realçar as idéias.
Se a repetição resultante da pobreza de vocabulário ou de falta de imaginação para variar a estrutura da frase pode ser censurável, a repetição intencional representa um dos recursos mais férteis de que dispõe a linguagem para realçar as idéias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário