Já se disse muito sobre a influência das Belas-Artes na formação dos homens, mas o resultado foi sempre como se ninguém estivesse a falar sério, e isso era natural, porque não pensaram na natureza da arte e, em especial, na da poesia. As pessoas atinham-se apenas ao seu lado exterior, pouco exigente, que evidentemente é inseparável da sua essência, mas que pouco corresponde ao caráter total dela; ela foi considerada um jogo, porque aparece na figura modesta do jogo, e, assim, como é razoável, não podia decorrer dela nenhum outro efeito que não o do jogo, a saber, a distração, o que é quase exatamente o contrário do seu efeito, onde ela existe na sua verdadeira natureza. É que, então, o Homem recolhe-se junto a ela e ela dá-lhe calma, não a calma vazia, mas sim a calma viva, onde todas as forças estão em atividade e só por causa da sua harmonia íntima não são reconhecidas como ativas. Ela aproxima os homens e reúne-os, mas não como o jogo, onde só estão reunidos porque cada um se esquece de si mesmo e não vem à superfície a peculiaridade viva de cada um deles.
(Excerto de uma carta de Hölderlin a seu irmão no dia de ano novo de 1799, quase à beira do séc. XIX)
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Esta citação foi recolhida da Introdução ao livro "Hinos de Hölderlin", de Heidegger (tradução de Numir Lahodil). Que a poesia é um jogo, o poeta parece dizer sim. Mas vai além. Heidegger diz que tenta se aproximar da poesia de Hölderlin sem buscar ajuda na astúcia apressada, na erudição cegamente acumulada, nas sentenças pretensiosas, nem no fervor de sentimentos primordiais imaginários. Este último aspecto parece ser o mais obscuro deles, mas acho que a chave de sua compreensão está na constante tentação de nos entregarmos inteiros à nossa subjetividade. Sua resposta a todos estas tentações da intelectualidade moderna está no que ele chama de seriedade lúcida. Contudo, não me aguento e faço a pergunta: não poderíamos buscar a chave na seriedade lúdica?
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