Extraída de “O imaginário cotidiano", de Moacyr Scliar
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Brigaram muitas vezes e muitas vezes se reconciliaram, mas depois de uma discussão particularmente azeda, ele decidiu: o rompimento agora seria definitivo. Um anúncio que a deixou desesperada: vamos tentar mais uma vez, só uma vez, implorou, em prantos. Ele, porém, se mostrou irredutível: entre eles estava tudo acabado.
Se pensava que tal declaração encerrava o assunto, estava enganado. Ele voltou à carga. E o fez, naturalmente, através do e-mail. Naturalmente, porque através do e-mail se tinham conhecido, através do e-mail tinham namorado. Ela agora confiava no poder do correio eletrônico para demovê-lo de seus propósitos. Assim, quando ele viu, estava com a caixa de entrada entupida de ardentes mensagens de amor.
O que o deixou furioso. Consultando um amigo, contudo, logo descobriu que havia solução para o problema: era possível, sim, bloquear as mensagens de remetentes incômodos. Com uns poucos cliques resolveu o assunto.
Naquela mesma noite o telefone tocou e era ela. Nem se dignou a ouvi-la: desligou imediatamente. Ela ainda repetiu a manobra umas três ou quatro vezes. Depois, também o telefone silenciou, mas aí ela optou por usar o pager dele. Tórridos recados apareciam ali, evocando as passadas noites de paixão e prometendo repeti-las. Ele simplesmente enfiou o pager numa caixa, junto com vários outros objetos sem uso. Posso muito passar sem essa droga, resmungou.
Esgotada a fase eletrônica, começaram as cartas. Três ou quarto por dia, em grossos envelopes. Que ele nem abria. Esperava juntar vinte, trinta missivas, colocava tudo em um envelope e mandava de volta para ela. Funcionou: agora o carteiro trazia apenas contas e propagandas, como sempre.
Mas se pensou que ela tinha desistido, estava enganado. Uma manhã acordou com batidinhas na janela do apartamento. Era um pombo, um grande pombo branco. Surpreendeu-se: o que estava querendo aquela estranha ave? Tão logo aproximou-se da janela, descobriu: era um pombo-correio, trazendo numa das patas uma mensagem.
Não teve dúvidas: agarrou-o, aparou-lhe as asas. Pombo, sim. Correio, não mais.
E pronto, não havia mais opções para a coitada. Aparentemente chegara o momento de gozar seu triunfo; mas então, e para seu espanto, notou que sentia falta dela, de seus carinhos, de seus beijos. Mandou-lhe um e-mail, e depois outro, e outro: ela não respondeu. E não atendia ao telefone. E devolveu as cartas dele.
Agora ele passa os dias na janela, contemplando a distancia o bairro onde ela mora. Espera que dali venha algum tipo de mensagem. Sinais de fumaça, talvez.
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