21 de setembro de 2010

Retomando o fio da conversa: Livro/Livre

Em Livro – um encontro com Lygia Bojunga Nunes
           Foi quando eu dei pra ruminar o jeito que eu tinha, que eu comecei a namorar a idéia de escrever livro.
           Eu pensava assim, desde que eu me lembro de mim eu vivo de livro ao meu lado; e eu só tinha sete anos quando eu tive meu primeiro caso de amor com um livro.
          Cada vez que eu me mudava, a primeira coisa que eu fazia era arrumar a estante de livros.
          E eu não experimentava escrever livro?
          Quando eu ia viajar, tinha sempre uma hora melhor que as outras: a de ficar escolhendo que livro eu levava comigo.
          Em qualquer lugar, qualquer tempo, fuçar livraria era sempre bom. 
          E se havia solidão, ela não pesava tanto assim: eu tinha sempre um livro à mão.
          E eu não escrevia livro?
          Saindo de casa, muito antes da fruta e da flor no quarto de hotel ou pensão, eram dois ou três livros que eu logo espalhava, pra fazer do quarto provisório a minha nova morada.
         Na praia, esticada na areia, o bom era ficar de barriga pra baixo, e fincar a bochecha na mão pra ler.
         No mato então nem se fala; ainda mais no verão; que coisa gostosa ficar de livro esquecido na mão pra ler; o olho seguindo o vôo da abelha, o balanço da folha, brincando de ver o jogo da luz e o jogo da sombra, mas a mão sempre sentindo o livro bem junto, pra eu ficar sabendo que: não tinha pressa, mas ele estava ali.
         E eu não ia escrever um livro?
        Mesmo um pequenininho, um só? Só pra ver como é que ia ser esse encontro?
        E não era uma coisa a calhar pra mim? Poder ficar bem esquecida num canto, me comunicando direto com quem me lia (sem nem saber quem é que é, já pensou?), sem precisar de intérprete pra me interpretar? 
          Resolvi experimentar.
          O meu primeiro encontro me deixou até confusa.
          Eu estava tão condicionada a comprimir os meus personagens em tantas falas, tantas cenas, tantas laudas, sabendo que era só deixar eles se mostrarem mais um bocadinho que lá vinha o verbo arrepiante: CORTA! Que eu fiquei cheia de dedos pra fazer uso da liberdade que eu sentia o tempo todo me rondando. A liberdade de fazer uma cena, um parágrafo, um capítulo do jeito que a minha imaginação pedia e não do jeito que esperavam de mim.
         Era só eu cismar que eu botava o Maracanã cheinho dentro de uma cena. E ninguém ia me perguntar se era eu que pagava o cachê das duzentas mil pessoas.
          [...]

          O luxo de corrigir e reescrever, somado à sensação da liberdade me rondando, me roçando, me envolvendo, fez uma impressão tão forte dentro de mim, que eu saí desse primeiro encontro pressentindo que fazer literatura ia ser pra mim uma imensa aventura interior*. E desde esse dia eu confundo as palavras livro e livre: me acontece muito querer dizer uma e sair a outra.

* Não me enganei.

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