24 de dezembro de 2010

Livro pra escrever (colagem como poética)

           Tomando como referência um texto de Marjorie Perloff sobre a colagem na poesia, percebe-se como a imagem de uma solidão que encontra (ou “se cola”) à outra é poderosa e produtiva. A colagem, concebida nas artes plásticas como uma justaposição metonímica de objetos, aproxima-se da escrita, enquanto montagem ou edição de textos cotejados pela leitura ou pela reunião de fragmentos de narrativas colhidas no cotidiano. Através da colagem, reúne-se temporariamente elementos em uma nova composição.
Josep Renau Berenguer
          Usualmente considerado pejorativo, o processo de colagem de textos possibilita, porém, quebrar a linearidade discursiva, ao transferir um trecho de um contexto para outro. Segundo Perloff, na colagem, realizamos uma dupla leitura, na medida em que os fragmentos mantêm sua relação com o texto original, ao mesmo tempo em que se incorporam a uma totalidade diferente.
         Na nova ordenação propiciada pela colagem, predominam as relações de similaridade, equivalência e identidade, assim como suas formas negativas – a dissimilaridade, a não equivalência e a não identidade. Persistem ainda a concatenação, o agrupamento ou a associação, enquanto minimizam-se as relações de implicação, sequenciação, negação e subordinação. Em termos das idéias ou imagens justapostas, pelo processo da colagem, desenvolve-se mais a sua coordenação do que a subordinação entre elas; mais a semelhança e a diferença do que a lógica, seqüência ou qualificação dos fragmentos escolhidos.
          Nessa perspectiva, podemos compreender a estreita relação entre os atos de escrever e ler. Para escrever um novo texto, descongelam-se trechos retirados de seu contexto, dispondo-os em uma outra composição. Por outro lado, com a atividade da colagem escrita-leitura, quebra-se a ilusão que cerca os livros como portadores de verdades acabadas. Considerando ainda a leitura em termos amplos, como coleta de fragmentos das narrativas do cotidiano, promove-se também – através da colagem de textos impressos e textos orais – uma quebra da hierarquia entre o impresso e o expresso, o público e o privado.
          Mas, ao destacar um trecho e readeri-lo a um outro contexto, ao transplantar e citar, o autor da colagem não estaria se valendo da autoridade alheia para fazer um texto próprio? Tais ações contribuem de fato para a quebra de discursos totalizadores ou seriam apenas fruto da preguiça de pensar por conta própria? Como garantir que esse método de justaposição, “camada sobre camada”, leve a um texto poético, desestabilizador? Como mantê-lo aberto à crítica, mesmo que se recuse a se centrar num ponto único?
          Tais questões, embora importantes, não conseguem mais estancar o poder da colagem como processo produtivo. Em realidade, afirma Perloff, a colagem encontra-se hoje não somente nos domínios das artes plásticas ou da literatura. No próprio domínio da crítica, absorve-se a poética da colagem como importante modo de teorização, e é também matéria-prima da propaganda, o que reflete, para além da moda, um meio mais eficaz de comunicação, considerando os indivíduos, em princípio, como colagens.
Sol de Maiakovski, de Augusto de Campos
Perloff, Marjorie. “Collage and poetry”. In: Kelly, Michael (org.) Encyclopedia of Aesthetics. New York: Oxford U Press, 1998. O artigo aqui citado encontra-se disponível na internet no site da autora http://marjorieperloff.com/articles/collage-poetry/ (disponível em 17/10/09).
Bia Albernaz

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