Tomando como referência um texto de Marjorie Perloff sobre a colagem na poesia, percebe-se como a imagem de uma solidão que encontra (ou “se cola”) à outra é poderosa e produtiva. A colagem, concebida nas artes plásticas como uma justaposição metonímica de objetos, aproxima-se da escrita, enquanto montagem ou edição de textos cotejados pela leitura ou pela reunião de fragmentos de narrativas colhidas no cotidiano. Através da colagem, reúne-se temporariamente elementos em uma nova composição.
Josep Renau Berenguer |
Usualmente considerado pejorativo, o processo de colagem de textos possibilita, porém, quebrar a linearidade discursiva, ao transferir um trecho de um contexto para outro. Segundo Perloff, na colagem, realizamos uma dupla leitura, na medida em que os fragmentos mantêm sua relação com o texto original, ao mesmo tempo em que se incorporam a uma totalidade diferente.
Na nova ordenação propiciada pela colagem, predominam as relações de similaridade, equivalência e identidade, assim como suas formas negativas – a dissimilaridade, a não equivalência e a não identidade. Persistem ainda a concatenação, o agrupamento ou a associação, enquanto minimizam-se as relações de implicação, sequenciação, negação e subordinação. Em termos das idéias ou imagens justapostas, pelo processo da colagem, desenvolve-se mais a sua coordenação do que a subordinação entre elas; mais a semelhança e a diferença do que a lógica, seqüência ou qualificação dos fragmentos escolhidos.
Nessa perspectiva, podemos compreender a estreita relação entre os atos de escrever e ler. Para escrever um novo texto, descongelam-se trechos retirados de seu contexto, dispondo-os em uma outra composição. Por outro lado, com a atividade da colagem escrita-leitura, quebra-se a ilusão que cerca os livros como portadores de verdades acabadas. Considerando ainda a leitura em termos amplos, como coleta de fragmentos das narrativas do cotidiano, promove-se também – através da colagem de textos impressos e textos orais – uma quebra da hierarquia entre o impresso e o expresso, o público e o privado.
Mas, ao destacar um trecho e readeri-lo a um outro contexto, ao transplantar e citar, o autor da colagem não estaria se valendo da autoridade alheia para fazer um texto próprio? Tais ações contribuem de fato para a quebra de discursos totalizadores ou seriam apenas fruto da preguiça de pensar por conta própria? Como garantir que esse método de justaposição, “camada sobre camada”, leve a um texto poético, desestabilizador? Como mantê-lo aberto à crítica, mesmo que se recuse a se centrar num ponto único?
Tais questões, embora importantes, não conseguem mais estancar o poder da colagem como processo produtivo. Em realidade, afirma Perloff, a colagem encontra-se hoje não somente nos domínios das artes plásticas ou da literatura. No próprio domínio da crítica, absorve-se a poética da colagem como importante modo de teorização, e é também matéria-prima da propaganda, o que reflete, para além da moda, um meio mais eficaz de comunicação, considerando os indivíduos, em princípio, como colagens.
Sol de Maiakovski, de Augusto de Campos |
Perloff, Marjorie. “Collage and poetry”. In: Kelly, Michael (org.) Encyclopedia of Aesthetics. New York: Oxford U Press, 1998. O artigo aqui citado encontra-se disponível na internet no site da autora http://marjorieperloff.com/articles/collage-poetry/ (disponível em 17/10/09).
Bia Albernaz
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