25 de julho de 2010

Meninos narradores, narração de meninos2

Günter Grass, trad. Lúcio Alves
           O tambor   
          Mamãe me conduziu por uma escada monumental, idealizada para gigantes, através de ressoantes corredores, a uma sala em cuja porta havia uma tabuleta com a inscrição I-A. [...]
            À minha entrada, puxado por sua mão, houve risos entre a gentalha e as mães da gentalha. A um moleque gorducho, que queria bater em meu tambor, dei uns bons chutes na canela, para evitar partir vidros; isso o fez cair e dar com a cabeça, desmanchando seu penteado, sobre uma carteira, o que me valeu por parte de mamãe um sopapo na nuca.

***

Gente miúda e gente grande, o pequeno e o grande Belt, o pequeno e o grande ABC, Pepino, o Breve, e Carlos Magno, Davi e Golias, Gulliver e os liliputianos; plantei-me em meus três anos na altura do Gnomo e do Pequeno Polegar, negando-me a crescer mais. Por quê? Para me ver livre das distinções como as do grande catecismo, para não me ver chegar a um metro e setenta e dois, na qualidade do que chama de adulto, e ser entregue a um homem que, ao se barbear diante do espelho, se dizia meu pai, e ter de me dedicar a um negocio que, conforme o desejo de Matzerah, haveria de abrir a Oskar, ao completar vinte e um anos, o mundo dos adultos. Para não ter de matraquear nenhum gênero de caixa registradora ruidosa, aferrei-me ao meu tambor e, a partir de meu terceiro aniversário, não cresci nem um dedo a mais; estacionei nos três anos, mas também com uma tríplice sabedoria: superado no tamanho por todos os adultos, mas tão superior a eles; sem querer medir minha sombra com a deles, mas interior e exteriormente já acabado, enquanto eles, mesmo em idade avançada, continuavam se infernizando a propósito de seu desenvolvimento; compreendendo o que os outros somente logram com a experiência e frequentemente a duras penas; sem necessitar mudar ano após ano os sapatos e calças para demonstrar que algo crescia.

Sem exagerar, como viver? Como atingir, sem exagerar?
O exagero era o único tamanho possível para quem era pequeno.
A maçã no escuro, Clarice Lispector

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