Maria Luiza Martins
Começo comentando que, ao que parece, Luigi constrói os seus personagens a sua semelhança. Na verdade ele quer conversar consigo mesmo as incongruências da vida vivida e de tudo que ocorre no mundo. Ao mesmo tempo em que tal preocupação o diverte, suas observações e constatações o levam a um estado de espírito desconfortável ou até desesperador. E suas análises e conclusões viram o seu objetivo principal, que se expressam em escrever, em fazer teatro e viajando pelo mundo buscando e dando soluções hipotéticas nas mais diversas situações e lugares. É um curioso da vida, este é o seu sabor, mais que vivê-la.
Ele próprio era um personagem: um criador de personagens. A mãe falecida, os parentes, eu e meu irmão, pois acabei fazendo um texto – Dois irmãos – e digo: nós também poderíamos ser personagens para ele, nascidos da leitura de Luigi Pirandello.
DOIS IRMÃOS
Eu achava que mandava nele. Na verdade éramos tão unidos e identificados nas brincadeiras e interesses, que tudo que fazíamos era juntos. Dizíamos um pro outro: “se você tirar o sapato, eu também tiro”. “Vamos subir nas árvores?” “Vamos colher ovos?” “Vamos brincar de fazer carrinhos e estradinhas no barranco?” Mandava quem primeiro tinha tido a idéia da brincadeira ou empreitada a fazer.
Achava que ele era meu, desde que ele entrou na minha vida nos seus três aninhos. O meu irmão. Éramos muito divertidos e unidos. Entendíamos um ao outro às mil maravilhas.
Ele já morreu há dez anos. Não sei por que ele me veio à mente agora. Talvez por estar presente em meu coração.
Pais mineiros e rigorosos, não nos deixavam ir à rua, exceto às aulas, ou para andar de bicicleta que era uma só. Um na garupa e o outro pedalando. Ou, cada um num pedal, num sobe-desce, a maior diversão.
Ao longo da vida fomos unidos e ele sempre foi o meu maior amor, dos três aos sessenta. Mas um dia ele se libertou do meu involuntário domínio, que era apenas natural, como tudo de bom na vida é do nosso domínio, a flor, o perfume, a alegria e o prazer. Coisas que Deus nos dá, tudo é da gente.
Éramos adolescentes. Eu, menina de treze anos e Gabriel de dez.
Foi num dia qualquer, em que eu estava próxima à janela do quarto, aberta para a área lateral da casa, uma comprida área externa, e lá estava ele no fim desse espaço. Cheguei à janela e um objeto caiu da minha mão lá fora, na área.
“Pega aqui pra mim!”, gritei pra ele, enfiando a cabeça pra fora.
Ele não se moveu do lugar e gritou: “Não vou!”
Foi tão verdadeiro este não, tão nascido dele ali naquele momento, que entendi perfeitamente: terminara o meu mando, ele assumia sua própria individualidade.
Respeitei-o. E o amei mais ainda.
Nessa época eu amava também o meu pai, que começava a fazer distinção entre seus dois menores, a filha e o filho. Suas atenções, em caminhadas pela linha da estrada de ferro, num papo maravilhoso que ele sabia ter, caíram sobre meu irmão. E começou a sair só com ele, recusando que eu fosse.
Eu ficava na janela da varanda. Olhando os dois se afastarem. Sentida.
Foi um golpe duro, uma escolha. O Gabriel era muito bom, precoce e veio a ser mais inteligente que eu, mais falante, mais solto. Eu tinha inveja dos papos que os dois faziam, na linha da estrada de ferro.
Engoli. Eu nunca ainda cogitara no que é o amor. Eu já sentia o amor, mas não sabia. Eu já amava todo mundo. Tudo pra mim era muito importante. Hoje nem tudo é importante. Tudo é tão relativo.
Eu era “metida à besta”, expressão que hoje talvez seja “fulano se acha”. Escrevendo assim tão solta, descuidadamente teclando, vem nascendo estas lembranças, virando saudade louca do meu irmão e da felicidade.
Na verdade estou é indignada depois de ter lido Luigi Pirandello por ter arranjado personagens pra ele, como ele gostaria. Foi daí que caí me lembrando do Gabriel, meu irmão e de todo o amor e encanto de nossas vidas. E de toda a dor de viver! Pirandello bem que gostaria desses dois personagens, eu e Gabriel!
Que tipo de homem este, que deve ter tido também uma vida bem angustiada! Pois se tinha permanente o pensamento de que o homem tinha de escolher apenas um papel na vida, quando sabia que podia ter cem ou mais! Acabou assim, cheio de indagações, de confrontos e análises existenciais. Trabalhou bem suas idéias, tornou-se diferente dos demais de sua época e de todos os tempos. Até ganhou um premio Nobel pela sua esquisitice, sem escorregar para um estado de loucura.
Era um cara interessante, mas ainda não estou interessada nele. Pode ter sido original, um pensador, um dramaturgo, famoso, o escambau! Não tô nem aí pra esse tipo! O que a vida precisa é de Poetas! Meu Deus, a vida tem tanta poesia! Por que representar tragédias?
DOIS IRMÃOS
Eu achava que mandava nele. Na verdade éramos tão unidos e identificados nas brincadeiras e interesses, que tudo que fazíamos era juntos. Dizíamos um pro outro: “se você tirar o sapato, eu também tiro”. “Vamos subir nas árvores?” “Vamos colher ovos?” “Vamos brincar de fazer carrinhos e estradinhas no barranco?” Mandava quem primeiro tinha tido a idéia da brincadeira ou empreitada a fazer.
Achava que ele era meu, desde que ele entrou na minha vida nos seus três aninhos. O meu irmão. Éramos muito divertidos e unidos. Entendíamos um ao outro às mil maravilhas.
Ele já morreu há dez anos. Não sei por que ele me veio à mente agora. Talvez por estar presente em meu coração.
Pais mineiros e rigorosos, não nos deixavam ir à rua, exceto às aulas, ou para andar de bicicleta que era uma só. Um na garupa e o outro pedalando. Ou, cada um num pedal, num sobe-desce, a maior diversão.
Ao longo da vida fomos unidos e ele sempre foi o meu maior amor, dos três aos sessenta. Mas um dia ele se libertou do meu involuntário domínio, que era apenas natural, como tudo de bom na vida é do nosso domínio, a flor, o perfume, a alegria e o prazer. Coisas que Deus nos dá, tudo é da gente.
Éramos adolescentes. Eu, menina de treze anos e Gabriel de dez.
Foi num dia qualquer, em que eu estava próxima à janela do quarto, aberta para a área lateral da casa, uma comprida área externa, e lá estava ele no fim desse espaço. Cheguei à janela e um objeto caiu da minha mão lá fora, na área.
“Pega aqui pra mim!”, gritei pra ele, enfiando a cabeça pra fora.
Ele não se moveu do lugar e gritou: “Não vou!”
Foi tão verdadeiro este não, tão nascido dele ali naquele momento, que entendi perfeitamente: terminara o meu mando, ele assumia sua própria individualidade.
Respeitei-o. E o amei mais ainda.
Nessa época eu amava também o meu pai, que começava a fazer distinção entre seus dois menores, a filha e o filho. Suas atenções, em caminhadas pela linha da estrada de ferro, num papo maravilhoso que ele sabia ter, caíram sobre meu irmão. E começou a sair só com ele, recusando que eu fosse.
Eu ficava na janela da varanda. Olhando os dois se afastarem. Sentida.
Foi um golpe duro, uma escolha. O Gabriel era muito bom, precoce e veio a ser mais inteligente que eu, mais falante, mais solto. Eu tinha inveja dos papos que os dois faziam, na linha da estrada de ferro.
Engoli. Eu nunca ainda cogitara no que é o amor. Eu já sentia o amor, mas não sabia. Eu já amava todo mundo. Tudo pra mim era muito importante. Hoje nem tudo é importante. Tudo é tão relativo.
Eu era “metida à besta”, expressão que hoje talvez seja “fulano se acha”. Escrevendo assim tão solta, descuidadamente teclando, vem nascendo estas lembranças, virando saudade louca do meu irmão e da felicidade.
Na verdade estou é indignada depois de ter lido Luigi Pirandello por ter arranjado personagens pra ele, como ele gostaria. Foi daí que caí me lembrando do Gabriel, meu irmão e de todo o amor e encanto de nossas vidas. E de toda a dor de viver! Pirandello bem que gostaria desses dois personagens, eu e Gabriel!
Que tipo de homem este, que deve ter tido também uma vida bem angustiada! Pois se tinha permanente o pensamento de que o homem tinha de escolher apenas um papel na vida, quando sabia que podia ter cem ou mais! Acabou assim, cheio de indagações, de confrontos e análises existenciais. Trabalhou bem suas idéias, tornou-se diferente dos demais de sua época e de todos os tempos. Até ganhou um premio Nobel pela sua esquisitice, sem escorregar para um estado de loucura.
Era um cara interessante, mas ainda não estou interessada nele. Pode ter sido original, um pensador, um dramaturgo, famoso, o escambau! Não tô nem aí pra esse tipo! O que a vida precisa é de Poetas! Meu Deus, a vida tem tanta poesia! Por que representar tragédias?
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